Nem Frio, Nem Quente: Primeira Parte – As Armadilhas do Novo Conservadorismo Católico

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 2 de maio de 2025

Introdução

Nos dias de hoje, é comum encontrar figuras católicas que se apresentam como conservadoras, defensoras da moral, da vida, da família e da ordem natural. Tais personagens, muitas vezes clérigos ou influenciadores leigos, criticam o progressismo evidente e se mostram escandalizados com abusos litúrgicos, com falas ambíguas de papas e bispos, ou com o declínio geral da vida católica.

Entretanto, por trás desse discurso aparentemente são e ortodoxo, frequentemente se esconde uma adesão ruim, porque parcial e seletiva, à verdadeira Tradição da Igreja.

Este artigo visa denunciar, com caridade e clareza, as principais armadilhas do chamado “novo conservadorismo católico”, uma postura que se opõe ao progressismo escancarado, mas que se recusa a dar o passo decisivo rumo à plena fidelidade à doutrina e à liturgia tradicionais da Igreja: o abandono da hermenêutica da continuidade, a rejeição objetiva dos erros do Concílio Vaticano II e a adesão efetiva ao rito tradicional da Missa

Aparente firmeza, mas adesão ao Concílio Vaticano II

O novo conservadorismo costuma afirmar que o Concílio Vaticano II foi “mal interpretado” ou “mal aplicado”, sustentando que seus documentos podem ser lidos à luz da Tradição anterior.

Essa tese, embora bem-intencionada, é insustentável diante da realidade textual e histórica dos documentos conciliares. A Dignitatis Humanae, por exemplo, contradiz frontalmente o ensinamento do Syllabus Errorum de Pio IX. A Unitatis Redintegratio promove um ecumenismo que diverge dos ensinamentos de Pio XI em Mortalium Animos. A Lumen Gentium introduz ambigüidades sobre a colegialidade episcopal e sobre a identidade da Igreja de Cristo.

Insistir que ensinos opostos podem ser harmonizados é impor uma hermenêutica forçada, que exige ignorar o sentido natural das palavras e a história concreta da Igreja (aquilo que Dom Antônio de Castro Mayer chamou, em carta, de “ginástica mental”).

Tal postura, ainda que bem articulada, só perpetua a confusão.

Defesa moral sem base dogmática

Outro traço do novo conservadorismo é a defesa aguerrida de valores morais (contra o aborto, a ideologia de gênero, a erotização de crianças, etc.), sem uma base dogmática consistente. Esses católicos muitas vezes defendem princípios da lei natural, mas não os articulam com a doutrina tradicional sobre a graça, a natureza da Igreja, a verdadeira Missa, a autoridade papal, a Tradição e o Magistério.

Dessa forma, acabam combatendo sintomas, mas deixando intacta a raiz doutrinária do problema: a nova teologia modernista promovida no pós-Concílio.

Citações seletivas e interpretações forçadas

Para sustentar sua posição intermediária, o novo conservador muitas vezes recorre a citações seletivas dos santos padres, do Magistério ou de documentos do próprio Vaticano II, ignorando o conjunto coerente da doutrina católica.

O problema não é apenas de omissão: é também de interpretação forçada, como se fosse possível aplicar um filtro hermenêutico que tornasse ortodoxo todo e qualquer texto errado.

Por outro lado, a Igreja sempre ensinou que o Magistério deve ser claro, unívoco, firme. Ambiguidade é erro, não detalhe a ser relevado. Como ensinou o Papa Pio VI em Auctorem Fidei, as ambiguidades deliberadas são condenadas como meios de propagar o erro, pois “sob o véu da ambiguidade, envolvem uma discrepância perigosa dos sentidos, sinalizando o significado perverso sob o qual se encontra o erro que a doutrina católica condena” (n. 6).

A interpretação correta parte da doutrina tradicional, não de um jogo de equilíbrio entre extremos.

Desprezo ou medo da Missa Tridentina

Apesar de reconhecerem o valor estético ou histórico da Missa de sempre, esses católicos conservadores raramente frequentam-na ou promovem-na com convicção. Muitos preferem a Missa Nova “bem celebrada”, ignorando que ela representa essencialmente uma ruptura com a teologia sacrificial e propiciatória da Missa tradicional.

Mesmo celebrada com reverência, a Missa Nova contém omissões graves e teologia incompatível com o ensinamento constante da Igreja, como denunciaram os cardeais Ottaviani e Bacci no Breve Exame Crítico.

Esse medo de romper com o status quo litúrgico revela que o compromisso com a Tradição é apenas parcial, pois o culto é a expressão da fé, e uma nova liturgia reflete uma nova fé.

Neutralidade em nome da caridade

O novo conservador costuma se declarar “nem progressista nem tradicionalista”, e prefere a neutralidade doutrinal em nome duma suposta caridade, unidade e paz eclesial.

No entanto, essa neutralidade é falsa: ela omite a verdade quando mais se precisa dela.

A verdadeira caridade supõe a verdade. A verdadeira unidade exige a mesma fé. E a paz não é um silêncio cúmplice, mas o fruto da justiça.

Conclusão: nem sal, nem luz

O novo conservadorismo católico, por evitar o confronto direto com os erros do nosso tempo e com as causas profundas da crise na Igreja, acaba sendo inócuo: não converte os modernistas, não protege os fiéis simples, não combate os abusos, não resgata a doutrina e não transmite o fervor dos santos. Em vez disso, perpetua um terreno de ambiguidade onde os erros são tolerados, desde que disfarçados de pastoralidade ou de “interpretações”, como se viu, por exemplo, em documentos como Fiducia Supplicans ou Amoris Laetitia.

A solução para a crise atual não é o conservadorismo moderno: é a Tradição católica, plena, concreta, clara e militante, como viveram os santos, como ensinaram os doutores e como defenderam os confessores da fé.

Quem ama a Igreja, precisa ter a coragem de ser integralmente fiel àquilo que ela sempre foi. Nada menos que isso será suficiente.


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