Introdução
A discussão acerca da canonização de Carlo Acutis se insere num debate mais amplo sobre os critérios contemporâneos adotados pela Igreja Católica para declarar alguém santo.
Este debate não é exclusivo a Carlo Acutis, mas também envolve nomes como Teresa de Calcutá, João Paulo II e José Maria Escrivá.
O Conceito de Santidade
O termo “santo”, desde sempre, possui dois significados principais. Primeiro, “Separado para Deus”, ou seja, referindo-se a todos os batizados, que, por meio do batismo, foram consagrados a Deus e separados do mundo. Segundo, “Perfeito em Graça”, referindo-se aos que atingiram a plenitude da graça divina e, muitas vezes, são “canonizados”, i.e., cultuados pela Igreja universal, declaradas como modelos de vida cristã.
Logo, o santo canonizado é aquele que, sem sombra de dúvida, manifestou as virtudes sobrenaturais, superando as virtudes naturais, e atingiu a perfeição ainda em vida.
Esse conceito de santidade, no entanto, tem sido modificado em tempos recentes, particularmente após o Concílio Vaticano II.
Mudanças no Processo de Canonização
O processo tradicional de canonização era rigoroso e incluía elementos como a análise biográfica profunda, a prova de milagres claros e inquestionáveis e o “Advogado do Diabo”, a saber, uma figura designada para encontrar inconsistências e questionar a santidade do candidato.
Esses procedimentos garantiam que apenas aqueles que realmente manifestassem uma santidade extraordinária fossem canonizados. Exemplos incluem Santa Joana d’Arc, que levou cerca de 600 (seiscentos) anos para ser canonizada.
Com as reformas de João Paulo II, os critérios foram flexibilizados. Ele justificou essas mudanças como uma forma de democratizar a ideia de santidade, tornando-a acessível a todos, mas essa abordagem reduziu a exigência de provas sobrenaturais e permitiu que virtudes naturais fossem confundidas com santidade.
A Influência do Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II introduziu uma nova abordagem à santidade, destacando que elementos de santificação podem ser encontrados em outras religiões e sistemas de crenças.
Essa mudança teológica ampliou o conceito de santidade para incluir virtudes naturais como prudência, justiça e castidade, que não são exclusivas da graça divina e podem ser observadas em indivíduos de qualquer tradição religiosa ou mesmo em ateus.
O Caso de Carlo Acutis
Carlo Acutis foi um jovem muito bom, descrito como manso, obediente, caridoso e dedicado. Suas iniciativas, como a criação de um site para compilar milagres eucarísticos, são notáveis, mas suas virtudes podem ser categorizadas como naturais, não necessariamente sobrenaturais. Acutis não demonstrou os aspectos extraordinários de santidade vistos em santos históricos jovens como São Domingos Sávio ou São Luiz Gonzaga, que realizaram milagres e viveram penitências rigorosas.
A canonização de Carlo Acutis levanta questões sobre se suas virtudes naturais são suficientes para justificar o culto universal. Por exemplo, ir à missa diária, comungar regularmente e realizar boas ações são práticas louváveis, mas não atestam necessariamente a perfeição da graça divina.
Reflexão Final
A canonização de Carlo Acutis reflete uma mudança significativa na compreensão da santidade dentro da Igreja. Essa evolução foi sim um sinal de inclusividade, mas, pior que isso, foi um enfraquecimento dos critérios tradicionais que distinguiam os santos como modelos excepcionais de graça sobrenatural.
A questão permanece: ao baixar os padrões, a Igreja está ampliando a compreensão de santidade ou diluindo sua essência?