Maria: Corredentora e Medianeira de Todas as Graças

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 7 de novembro de 2025

Introdução

 

A recente nota Mater Populi Fidelis (2025), do Dicastério para a Doutrina da Fé, nega a veracidade dos títulos “Corredentora” e “Medianeira de todas as graças”, atribuídos à Santíssima Virgem Maria, e desestimula seus usos.

Alega-se que tais expressões seriam “inoportunas”, “equívocas” e “teologicamente inconvenientes”, pois poderiam “ofuscar a única mediação de Cristo”.

Mas a verdade é que a Tradição da Igreja, o Magistério Ordinário Universal dos Papas e o testemunho dos Santos dizem exatamente o contrário.

Este artigo busca demonstrar, de modo claro e simples, que a doutrina da Corredenção e da Mediação universal de Maria é parte orgânica e segura da fé católica.

 

A raiz bíblica e patrística

 

Desde o início, os Padres da Igreja reconheceram em Maria a Nova Eva, associada ao Novo Adão na obra da salvação.

Santo Irineu de Lião (séc. II) escreveu: “Assim como Eva, desobedecendo, se fez causa de morte, Maria, obedecendo, se fez causa de salvação para si e para todo o gênero humano.” (Adversus Haereses, III, 22,4)

A Escritura, também, confirma essa associação:

  • Em Gn 3,15, a mulher e sua descendência esmagam a cabeça da serpente;
  • Em Jo 19,25-27, Maria está de pé junto à Cruz, oferecendo o Filho;
  • Em Ap 12, a Mulher vestida de sol sofre dores de parto pelo nascimento dos filhos de Deus.

Esses textos revelam uma verdade teológica profunda: Deus quis associar aquela mulher à obra da Redenção, assim como a primeira mulher havia sido associada à Queda.

 

A doutrina do Magistério tradicional

 

Séculos de reflexão confirmaram esse ensinamento. Papas e santos falaram de Maria como Corredentora e Medianeira — não em igualdade com Cristo, mas em união com Ele.

  • Leão XIII: “Ninguém vai a Cristo senão por Maria.” (Octobri mense, 1891, n.12);
  • São Pio X: “Deus quis que recebêssemos tudo por Maria, como por meio de um canal; Ela é a Reparadora do mundo perdido e a Dispensadora de todos os dons.” (Ad Diem Illum Laetissimum, 1904, n. 12);
  • Bento XV: “Ela redimiu o gênero humano juntamente com Cristo, oferecendo seu Filho para a salvação do mundo.” (Inter Sodalicia, 22/03/1918, AAS, vol. 10);

Portanto, chamar Maria de Corredentora e Medianeira não é invenção devocional, mas expressão do magistério perene.

 

O erro da nota Mater Populi Fidelis

 

A Nota sustenta que o uso dos títulos seria “inconveniente” e que “não existem corredentores com Cristo”. Essa afirmação, embora queira evitar confusões, cai no extremo oposto: nega o modo como Deus quis agir na história da salvação — através da cooperação real de Maria.

Cristo é o Redentor único e suficiente, mas quis unir-se a uma Mãe, que participou de sua obra, oferecendo-O no Calvário, sofrendo com Ele e intercedendo por nós.

A exclusividade da mediação de Cristo não elimina a mediação subordinada das criaturas, mas a supõe e a eleva.

Negar a mediação de Maria é esquecer que a própria economia da graça é mediada: os sacramentos, a Igreja, os santos — todos participam, de modo subordinado, da única mediação do Verbo Encarnado.

 

O sentido autêntico dos títulos marianos

 

Corredentora significa “a que coopera com o Redentor”. Não se iguala Maria a Cristo, mas afirma-se que, por vontade divina, ela se uniu ao sacrifício do Filho, oferecendo-O e oferecendo-se com Ele pela salvação do mundo.

Por sua vez, Medianeira de todas as graças significa que todas as graças nos chegam por sua intercessão maternal. Cristo é a fonte; Maria, o canal. Ele é o Sol que a veste (Ap 12,1), e Ela é o reflexo puríssimo que nos transmite essa luz.

Dizer que “Maria é Medianeira de todas as graças” é, na verdade, confessar a plenitude da mediação de Cristo, pois foi Ele quem a constituiu instrumento perfeito da sua misericórdia.

 

A coerência teológica

 

A recusa moderna desses títulos não nasce de teologia sólida, mas de ecumenismo mal compreendido. Teme-se escandalizar os protestantes — mas, para não ferir os outros, fere-se a coerência da fé católica.

Como dizia São Luís Maria Grignion de Montfort: “Quanto mais uma alma é consagrada a Maria, mais é consagrada a Jesus Cristo.” [1]

A devoção a Maria não compete com Cristo — ela o manifesta, o glorifica e o conduz a todas as almas.

 

Conclusão

 

A verdadeira Igreja nunca separou o Filho da Mãe, nem o Redentor da Corredentora.

A Mater Populi Fidelis, embora diga pretender proteger o Cristo, reduz o mistério da Encarnação e empobrece a fé do povo, expondo-o à heresia. [2]

Contra isso, afirmamos com toda a Tradição:

“Deus comunicou a Maria seus dons inefáveis e a escolheu como dispensadora de tudo o que possui. De maneira que ela distribui a quem quer, quanto quer, como e quando quer, todos os seus dons e suas graças, e nenhum dom celeste é concedido aos homens sem que passe pelas suas mãos virginais. Pois tal é a vontade de Deus, que quis que tivéssemos tudo por Maria.” [3]

Maria é Corredentora, porque redimiu com o Redentor, e é Medianeira de todas as graças porque Ele quis que nada nos viesse senão pelas mãos dela.

Quem ama verdadeiramente o Filho, reconhece, honra e glorifica a Mãe.

 

Notas de rodapé

 

[1] Tratado da verdadeira devoção à santíssima virgem / São Luís Maria Grignon de Montfort (1673-1716). – 4. ed. – São Paulo: Retornarei, 2021, n. 120.

[2] “O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um herege, um homem de má doutrina, um réprobo, de um predestinado, é que o herege e o réprobo não têm senão desprezo e indiferença pela Santíssima Virgem, tentando, pelas suas palavras e exemplos, diminuir-Lhe o culto e o amor, aberta ou ocultamente, às vezes sob belos pretextos.” (Idem, 30)

[3] Idem, n. 25.

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