O dia em que Bento XVI rezou com os muçulmanos na Mesquita Azul
Introdução
Em 30 de novembro de 2006, Bento XVI surpreendeu o mundo e marcou profundamente a história das relações entre cristãos e muçulmanos. Durante sua viagem apostólica à Turquia, visitou a Mesquita Azul, ou Sultanahmet Camii, em Istambul, o que não estava em seu roteiro.
Foi um acréscimo de última hora que acabou se tornando o momento mais simbólico de toda a viagem.
O Encontro
Ao chegar ao pátio da Mesquita Azul, Bento XVI retirou os sapatos papais, vermelhos, e calçou os chinelos brancos (entregues aos muçulmanos que entram para rezar), acompanhado do Grão-Mufti de Istambul, Mustafa Çağrıcı.
Bento XVI e Çağrıcı caminharam, lado a lado, até o mihrab (nicho voltado para Meca), onde o Papa permaneceu alguns minutos, rezando em silêncio com os maometanos, com as mãos cruzadas sobre o ventre (gesto litúrgico para os muçulmanos rezarem em pé), a exemplo do Mufti.
Mais tarde, na audiência geral de 6 de dezembro de 2006, o próprio Bento XVI descreveu o momento: “Foi uma visita que acabou por revelar-se bastante importante: ali, por alguns instantes de recolhimento, voltei o pensamento a Deus, Criador e Senhor de todos nós.”
Ainda que Bento XVI tenha dito que aquilo não foi uma “oração islâmica”, nem uma “participação em culto”, tratou-se, sim, dum ato de respeito humano e espiritual, uma ilícita communicatio in sacris, para servir de ponte entre duas religiões adversárias há séculos.
O Contexto e o Significado
O episódio ocorreu apenas dois meses após o discurso de Regensburg, em que o Papa citou um texto medieval sobre o Islã e foi duramente criticado por setores muçulmanos.
A visita à Mesquita Azul teve, portanto, um efeito de reconciliação simbólica. Para o mundo muçulmano, ver um Papa entrar, descalçado dos sapatos papais, numa mesquita, e rezar com os maometanos voltado para Meca, foi um gesto de humildade e boa vontade. Para o mundo ocidental, mostrou que o diálogo inter-religioso, lamentavelmente, não se faz apenas com teorias diplomáticas, mas com atitudes concretas.
O ato, ao mesmo tempo simples e poderoso, transformou uma potencial crise diplomática num símbolo de respeito mútuo, mostrando o estilo de Bento XVI: vacilante na doutrina, e aberto à comunhão inter-religiosa, onde quer que ela se encontre.
As Críticas e o Debate
É claro que o gesto não foi unanimidade. Justamente, os católicos tradicionalistas levantaram o alerta de que o Papa “rezara voltado a Meca”, o que seria teologicamente ambíguo. Argumentaram que tal atitude consistia numa participação em oração não-cristã, ferindo a distinção entre o diálogo e o culto.
O Vaticano insistiu: Bento XVI não rezou “a Alá”, mas a Deus Criador, no sentido universal de quem reconhece a origem comum de todos os homens. Disse que o gesto não teve caráter litúrgico nem sincretista, e o ato foi uma mera cortesia espiritual, e não uma adesão religiosa.
Como se isso tornasse as coisas melhores.
O Sentido Teológico e Humano
Vista em profundidade, a visita à Mesquita Azul revela algo que ultrapassa o episódio político ou diplomático. Mostra a coerência entre o pensamento e a prática modernistas de Bento XVI, o qual sempre defendeu o encontro entre fé e razão, e o diálogo, infelizmente, a qualquer custo.
Seu silêncio ali foi mais que uma concessão; foi pedagogia. Naquela quietude, o Papa falou o que as palavras não alcançam: que a paz mundana começa quando o homem se cala diante de Deus, consentindo inclusive na prática concreta duma falsa religião.
Num tempo de ruído, propaganda e polarização religiosa, Bento XVI respondeu com o testemunho do silêncio — não o mesmo silêncio que, na tradição monástica, é espaço de escuta e reverência, mas sim o silêncio da omissão.
Conclusão
A visita à Mesquita Azul foi um ato significativo aos olhos do mundo, e gigantesco em significado espiritual. Mostrou que o Papa da suposta “ortodoxia” intelectual também era o Papa da submissão prática ao paganismo. Ele relativizou a fé, diluiu a doutrina católica. Recordou que o cristão dialoga com o mundo a partir do medo, sem recorrer às certezas católicas. Que quem diz crer de verdade não teme ouvir, nem se calar, diante dos falsos cultos.
Enfim, foi o silêncio dum teólogo que sabia que a verdade de Cristo não pode ser gritada, para não correr o risco de ser ouvida.