O dia em que Bento XVI rezou com os muçulmanos na Mesquita Azul

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 22 de outubro de 2025

Introdução

Em 30 de novembro de 2006, Bento XVI surpreendeu o mundo e marcou profundamente a história das relações entre cristãos e muçulmanos. Durante sua viagem apostólica à Turquia, visitou a Mesquita Azul, ou Sultanahmet Camii, em Istambul, o que não estava em seu roteiro.

Foi um acréscimo de última hora que acabou se tornando o momento mais simbólico de toda a viagem.

O Encontro

Ao chegar ao pátio da Mesquita Azul, Bento XVI retirou os sapatos papais, vermelhos, e calçou os chinelos brancos (entregues aos muçulmanos que entram para rezar), acompanhado do Grão-Mufti de Istambul, Mustafa Çağrıcı.

Bento XVI e Çağrıcı caminharam, lado a lado, até o mihrab (nicho voltado para Meca), onde o Papa permaneceu alguns minutos, rezando em silêncio com os maometanos, com as mãos cruzadas sobre o ventre (gesto litúrgico para os muçulmanos rezarem em pé), a exemplo do Mufti.

Mais tarde, na audiência geral de 6 de dezembro de 2006, o próprio Bento XVI descreveu o momento: “Foi uma visita que acabou por revelar-se bastante importante: ali, por alguns instantes de recolhimento, voltei o pensamento a Deus, Criador e Senhor de todos nós.”

Ainda que Bento XVI tenha dito que aquilo não foi uma “oração islâmica”, nem uma “participação em culto”, tratou-se, sim, dum ato de respeito humano e espiritual,  uma ilícita communicatio in sacris, para servir de ponte entre duas religiões adversárias há séculos.

O Contexto e o Significado

O episódio ocorreu apenas dois meses após o discurso de Regensburg, em que o Papa citou um texto medieval sobre o Islã e foi duramente criticado por setores muçulmanos.

A visita à Mesquita Azul teve, portanto, um efeito de reconciliação simbólica. Para o mundo muçulmano, ver um Papa entrar, descalçado dos sapatos papais, numa mesquita, e rezar com os maometanos voltado para Meca, foi um gesto de humildade e boa vontade. Para o mundo ocidental, mostrou que o diálogo inter-religioso, lamentavelmente, não se faz apenas com teorias diplomáticas, mas com atitudes concretas.

O ato, ao mesmo tempo simples e poderoso, transformou uma potencial crise diplomática num símbolo de respeito mútuo, mostrando o estilo de Bento XVI: vacilante na doutrina, e aberto à comunhão inter-religiosa, onde quer que ela se encontre.

As Críticas e o Debate

É claro que o gesto não foi unanimidade. Justamente, os católicos tradicionalistas levantaram o alerta de que o Papa “rezara voltado a Meca”, o que seria teologicamente ambíguo. Argumentaram que tal atitude consistia numa participação em oração não-cristã, ferindo a distinção entre o diálogo e o culto.

O Vaticano insistiu: Bento XVI não rezou “a Alá”, mas a Deus Criador, no sentido universal de quem reconhece a origem comum de todos os homens. Disse que o gesto não teve caráter litúrgico nem sincretista, e o ato foi uma mera cortesia espiritual, e não uma adesão religiosa.

Como se isso tornasse as coisas melhores.

O Sentido Teológico e Humano

Vista em profundidade, a visita à Mesquita Azul revela algo que ultrapassa o episódio político ou diplomático. Mostra a coerência entre o pensamento e a prática modernistas de Bento XVI, o qual sempre defendeu o encontro entre fé e razão, e o diálogo, infelizmente, a qualquer custo.

Seu silêncio ali foi mais que uma concessão; foi pedagogia. Naquela quietude, o Papa falou o que as palavras não alcançam: que a paz mundana começa quando o homem se cala diante de Deus, consentindo inclusive na prática concreta duma falsa religião.

Num tempo de ruído, propaganda e polarização religiosa, Bento XVI respondeu com o testemunho do silêncio — não o mesmo silêncio que, na tradição monástica, é espaço de escuta e reverência, mas sim o silêncio da omissão.

Conclusão

A visita à Mesquita Azul foi um ato significativo aos olhos do mundo, e gigantesco em significado espiritual. Mostrou que o Papa da suposta “ortodoxia” intelectual também era o Papa da submissão prática ao paganismo. Ele relativizou a fé, diluiu a doutrina católica. Recordou que o cristão dialoga com o mundo a partir do medo, sem recorrer às certezas católicas. Que quem diz crer de verdade não teme ouvir, nem se calar, diante dos falsos cultos.

Enfim, foi o silêncio dum teólogo que sabia que a verdade de Cristo não pode ser gritada, para não correr o risco de ser ouvida.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *