A adoção à luz da doutrina católica

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 29 de setembro de 2025

Introdução e fundamento cristão

A fé católica ensina que todos os homens foram feitos filhos de Deus pela graça, e não por natureza, conforme recorda São Paulo:

“Recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Abbá, Pai.” (Rm 8,15)

Também, o mesmo escreveu aos Efésios:

“Deus nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade.” (Ef 1,5)

Assim, a adoção humana, portanto, reflete, em certo sentido, a própria obra da Redenção: acolher alguém que não tinha família e elevá-lo à dignidade de filho amado.

Quando recorrer à adoção

O matrimônio foi instituído por Deus com o fim primário de gerar e educar os filhos. Quando, por razões de saúde ou por desígnios da Providência, esse fruto não se realiza naturalmente, a adoção surge como caminho de generosidade.

Neste sentido, o Catecismo da Igreja Católica, nº 2.379, diz que “os esposos que, depois de esgotarem os recursos legítimos da medicina, sofrem da infertilidade, unam-se à cruz do Senhor. Podem dar prova de generosidade ao adotar crianças privadas de família”. [1]

Assim, a adoção não substitui o dom da vida biológica, mas exprime o mesmo espírito de abertura e doação que deve caracterizar todo lar cristão, podendo o casal recorrer a ela:

  • Quando experimenta a dor da infertilidade ou da esterilidade e, tendo esgotado os recursos lícitos, deseja viver plenamente sua paternidade e maternidade;
  • Mesmo quando possui filhos naturais, se movido pelo desejo de oferecer a uma criança abandonada a graça de uma família estável e amorosa.

Em qualquer caso, a adoção deve sempre ser realizada com justiça e prudência, obedecendo às leis legítimas e tendo por objetivo não um auxílio emocional passageiro, mas a integração definitiva do adotado no seio da família.

A adoção não consiste num gesto assistencialista ou temporário, mas numa entrega definitiva que cria laços de amor e responsabilidade irrevogáveis. Portanto, em que pese a sua legitimidade e justeza, jamais pode ser confundida com práticas contrárias à lei natural [2], como:

  • Sua utilização por casais homossexuais;
  • O recurso à inseminação artificial ou fertilização in vitro;
  • A contratação de “barriga de aluguel”.

O casal adotante deve estar preparado para oferecer não apenas sustento material mas, sobretudo, formação moral e educação na fé católica.

Valor espiritual

A adoção possui profundo valor espiritual. É um testemunho concreto do amor cristão e da defesa da vida. Num tempo em que o aborto e o abandono ameaçam tantos inocentes, adotar significa afirmar com a própria vida o valor inestimável de cada pessoa humana.

O cuidado com órfãos e necessitados também sempre esteve no coração da tradição patrística, conforme São Basílio Magno:

“O pão que tu reténs pertence ao faminto, o manto que guardas no armário é de quem está nu, os sapatos que apodrecem em tua casa pertencem ao descalço, o dinheiro que tens enterrado é do necessitado.” [3]

Essa palavra, que denuncia a omissão dos ricos, reforça que a verdadeira religião se manifesta no socorro aos mais vulneráveis, entre os quais estão os órfãos, que encontram na adoção o remédio mais perfeito para sua carência.


Notas de rodapé

[1] Refletindo, também, no detalhe, a exortação apostólica Familiaris Consortio, nº 14. Obs.: a Igreja pré-conciliar não tratou da adoção de forma tão explícita, porque, à vista daqueles tempos, o tema era visto mais como uma obra de caridade do que como uma questão teológica do matrimônio. Contudo, vê-se que, como não poderia deixar de ser, a Tradição já oferecia os princípios (a filiação adotiva em Cristo, o cuidado com órfãos, o bem da prole etc). Portanto, as duas referências pós-conciliares aqui utilizadas apenas explicitaram pastoralmente o que já estava implícito, sem romper (neste caso específico) com a doutrina tradicional.

[2] Cf. Credo : compêndio da fé católica / Dom Athanasius Schneider : tradução de Pe. João Silveira. – 1. ed. – São José dos Campos : Gratia, 2024, pp. 495-6.

[3] Homilia sobre São Lucas (Lc 12,16-21), in Coleção Patrística, vol. 14, publicada pela Editora Paulus.

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