Concubinato e Vida Cristã: Verdade, Misericórdia e Conversão

Introdução
A Igreja, como mãe e mestra, não deixa de estender a mão a todos os seus filhos, ainda que estejam em situações de pecado. No entanto, essa misericórdia nunca pode ser confundida com tolerância ao erro. O amor verdadeiro exige a clareza da verdade.
Um dos casos mais delicados em que essa clareza se faz necessária é o do concubinato, isto é, a convivência estável de um homem e de uma mulher fora do sacramento do matrimônio.
O que é o concubinato?
Concubinato significa a coabitação habitual entre duas pessoas que vivem como marido e mulher, sem estarem validamente casados diante de Deus e da Igreja. Pode ser:
- Fornicação estável, se ambos são solteiros.
- Adultério estável, se um deles já está vinculado por matrimônio.
Em ambos os casos, trata-se de um pecado grave, que se torna ainda mais grave pela intenção de manter-se nele de forma permanente. Não é apenas uma queda pontual: é um estado público e duradouro de afastamento da lei de Deus, que costumamos chamar de pecado mortal habitual.
Por que é mais grave que a fornicação ou o adultério simples?
Os atos de fornicação e adultério já são, em si mesmos, pecados mortais. Mas quando se transformam em convivência estável, o mal se agrava, porque:
- Revela propósito de perseverar no pecado.
- Gera escândalo público, pois faz parecer que tal situação seria compatível com a vida cristã. [1]
- Aparta a pessoa dos sacramentos, antes que ela verdadeiramente rompa com tal estado.
A absolvição e a necessidade de ruptura
A confissão nestes casos só é válida e cabível quando há arrependimento sincero e propósito firme de emenda. Ora, quem continua vivendo em concubinato, sem romper a situação, por óbvio não apresenta esse propósito.
Por isso, os grandes moralistas da Igreja — como o dominicano Pe. Antonio Royo Marín, O.P. — ensinam com clareza [2]:
- Não basta “separar de quarto”.
- É necessário separar de casa, porque só assim se elimina o escândalo e se demonstra uma ruptura real com a vida de pecado, bem como com a ocasião do mesmo.
Enquanto não houver essa separação, a absolvição não pode ser dada validamente, nem mesmo ao moribundo. E se a pessoa morrer nesse estado, sem arrependimento, deverá ser privada da sepultura eclesiástica, conforme a disciplina da Igreja.
De onde veio a ideia de que bastaria “separar de quarto”?
Com o passar do tempo, sobretudo no século XX, difundiu-se nalguns ambientes católicos a ideia de que seria suficiente ao casal em concubinato a promessa de viver como “irmão e irmã” debaixo do mesmo teto.
Essa solução, no entanto:
- Não elimina o escândalo público, pois para todos o concubinato continua evidente.
- Não garante a fuga da ocasião próxima de pecado, já que a convivência “more uxorio” (como se casados fossem) mantém fortes tentações.
- Representa uma atenuação modernista, que suaviza a lei de Deus em nome de uma falsa pastoralidade.
A Tradição da Igreja sempre exigiu mais: a separação real de casa.
A verdadeira pastoral
Pode parecer duro exigir a separação de casa. Mas, na verdade, é um ato de autêntica caridade pastoral. A Igreja não busca condenar, mas salvar. O médico que esconde a gravidade da doença não ama o paciente. Amar é dizer a verdade e oferecer o remédio eficaz.
Separar-se de casa, ainda que por um tempo, pode ser custoso. Mas esse sacrifício é o único caminho para demonstrar sinceridade de arrependimento, dar bom testemunho, abrir as portas dos sacramentos e preparar o terreno para uma união verdadeira e santa, no matrimônio sacramental.
Conclusão
O concubinato não é apenas um detalhe, ou uma mera “irregularidade”: é um estado grave de pecado que precisa ser rompido com decisão e coragem. Não basta separar de quarto; é preciso separar de casa. Essa exigência não é dureza, mas amor da Igreja, que deseja conduzir seus filhos à conversão plena, à vida sacramental e, finalmente, à salvação eterna.
Que todos aqueles que se encontram nessa situação tenham a humildade e a coragem de dar esse passo. A graça de Deus nunca faltará a quem, com sinceridade, deseja viver segundo o Evangelho.
Notas de rodapé
[1] Alguns podem argumentar que, hoje, as pessoas acostumaram-se com tal situação, pelo que não haveria falar-se em escândalo. Por isso, pontua-se que o termo é aqui utilizado em seu sentido catequético: escândalo é uma palavra, um ato ou uma omissão capaz de dar ao próximo ocasião de pecar (Sarto, Giuseppe Melchiorre, – 1835-1914. Terceiro catecismo da doutrina cristã. – 1. ed. – São José dos Campos : Instaurare, 2024, p. 470). Portanto, o acomodamento público a situações de concubinato nada mais faz do que provar a existência de escândalo.
[2] Teologia moral para leigos : moral fundamental e especial – Rio de Janeiro : Ed. CDB, 2022, p. 695.