Fé ou Subjetivismo? Um Alerta Católico

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 16 de setembro de 2025

Introdução

Entre os perigos mais sutis que rondam os católicos em nosso tempo está a tentação de reduzir a fé a algo puramente pessoal e subjetivo, desvinculado da objetividade da doutrina e da autoridade da Igreja.

Esse erro, embora revestido de linguagem piedosa, mina as bases do catolicismo e conduz à perda da fé.

1. O valor da razão

A Igreja ensina, desde o Concílio Vaticano I, que Deus pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão (cf. Dei Filius). Negar que a razão seja capaz de chegar a certezas metafísicas — como as cinco vias tomistas — é cair num fideísmo perigoso, que transforma a fé em salto no escuro. [1]

A fé não é irracional; pelo contrário, repousa sobre fundamentos que a razão pode reconhecer.

2. O objeto da fé

A fé não é apenas “confiança em uma pessoa”. [2] A definição clássica, dada pelo Catecismo de São Pio X, é clara: fé é a virtude sobrenatural pela qual acreditamos firmemente em tudo o que Deus revelou e a Igreja propõe para crer. É claro que confiamos em Cristo, mas essa confiança se manifesta precisamente em aderir às verdades que Ele confiou à Sua Igreja.

Separar Cristo de Sua doutrina é abrir a porta ao subjetivismo modernista.

3. A regra próxima da fé

O Magistério da Igreja é a regra próxima que garante nossa adesão segura às verdades reveladas. Ignorá-lo ou relativizá-lo, em prol da mera “experiência da fé, pessoal, subjetiva” é colocar-se em terreno escorregadio, em que cada um se torna juiz último do que crê ou deixa de crer.

Dizer que “o cristianismo não é uma doutrina” é atentar contra a própria natureza da fé, que é adesão humilde à doutrina revelada.

4. A relação entre fé e razão

Outro erro frequente é separar fé e razão, negando à teologia o direito de julgar as filosofias. Ora, como ensina Santo Tomás, a teologia é ciência superior e tem o dever de corrigir qualquer filosofia que contrarie a verdade revelada (Suma Teológica, Ia, q. 1, a. 6, ad 2).

Quando se coloca a filosofia acima da teologia, inverte-se a ordem natural das ciências e enfraquece-se a própria fé.

5. A tentação da personalidade

Quando a doutrina (a teologia) deixa de ser critério, fatalmente a própria pessoa — seja quem for — acabará se tornando a medida de todas as coisas. Diz-se que está-se crendo “apenas em Cristo” (erro luterano do “Solus Christus”), mas não é verdade. A confiança que deveria estar em Cristo, pela mediação de Sua Igreja (que é Seu Corpo), transfere-se a um mestre humano.

Assim, ainda que involuntariamente, cria-se uma espécie de culto à personalidade, que não edifica a fé, mas a desvia.

6. Pecados de fé e pecados de caridade

Há quem, ao ser confrontado com erros doutrinais, se defenda dizendo: “não sou santo”. Mas é preciso distinguir: pecados contra a caridade dizem respeito ao grau de perfeição de um católico; erros contra a fé dizem respeito à própria identidade de católico.

Não ser santo não é desculpa para não ser católico. O catolicismo não exige heroísmo moral, mas a íntegra profissão da fé.

7. O risco final

Negar ou duvidar voluntariamente de um único artigo da fé já é suficiente para perdê-la por inteiro (cf. Catecismo de São Pio X, n. 863). Por isso, aderir a concepções subjetivistas e relativistas da fé significa, objetivamente, colocar-se em perigo.

Conclusão

É possível reconhecer o valor humano de pensadores e mestres, seus talentos e até mesmo suas boas intenções. Mas quando suas ideias sobre a fé não estão em conformidade com o Magistério e com a tradição da Igreja, cabe ao católico discernir com clareza: a fé não é invenção pessoal, mas adesão humilde à verdade revelada.

Devemos, portanto, guardar gratidão pelos aspectos bons que recebemos, mas também firmeza em rejeitar qualquer desvio que arrisque a integridade da fé. E sempre recordar: não seguimos homens, seguimos a Cristo pela Sua Igreja.


Notas de rodapé

[1] Fideísmo é o erro que consiste em negar à razão a capacidade de conhecer com certeza as verdades naturais sobre Deus, reduzindo a fé a um salto irracional sem fundamento metafísico. Foi condenado pelo Concílio Vaticano I em 1870, na Constituição Dei Filius, cap. 2: «Si quis dixerit Deum unum et verum, creatorem et Dominum nostrum, per ea quae facta sunt, naturali humanae rationis lumine certo cognosci non posse: anathema sit».

[2] A redução da fé a mera confiança subjetiva (fiducia) é um erro já presente em Martinho Lutero, que definia a fé principalmente como segurança interior na misericórdia de Cristo, dissociada do assentimento às verdades reveladas. Em seu Prefácio à Epístola aos Romanos (1522), ele escreveu: “Fé é uma confiança firme na graça de Deus tão certa que o homem daria mil vezes a vida por ela.” Tal formulação, ao negar a dimensão doutrinal da fé, abriu caminho para o subjetivismo religioso, em oposição ao ensinamento católico tradicional.

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