Tradição e Discursos Excludentes: Os Casos de Matheus Batista e Júlia Zanatta

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 2 de setembro de 2025

Introdução

Nos últimos meses, Santa Catarina tornou-se palco de uma polêmica que ultrapassou os limites da política local e atingiu proporções nacionais. Em meio ao intenso fluxo migratório para o estado — que atrai milhares de brasileiros em busca de trabalho e qualidade de vida — surgiram propostas e declarações de autoridades políticas que colocam os migrantes nordestinos como uma ameaça à ordem social e cultural catarinense.

Dois nomes ganharam destaque nesse debate: Matheus Batista, vereador de Joinville/SC, e Júlia Zanatta, deputada federal também pelo mesmo estado. Ambos, em diferentes tons e níveis, defenderam ideias que restringem ou desqualificam a presença de migrantes em Santa Catarina, sob a alegação de preservar o conservadorismo e as tradições locais.

A questão que se impõe, portanto, é esta: pode um católico tradicionalista apoiar esse tipo de discurso? É compatível com a doutrina da Igreja e com a verdadeira Tradição católica?

Dos Fatos

Matheus Batista apresentou um projeto de lei para obrigar migrantes a comprovar residência em até 14 (quatorze) dias, sob risco de sanções, inspirado — segundo ele — em um “modelo alemão”. Em suas falas públicas, chegou a afirmar que “o Pará é um lixo” e que “Santa Catarina vai virar um grande favelão” se o fluxo migratório não for controlado.

O episódio gerou forte reação social, notas de repúdio, denúncias por xenofobia e questionamentos de inconstitucionalidade.

Por seu turno, Júlia Zanatta não apresentou projetos de lei, mas fez declarações em entrevistas e redes sociais afirmando que a migração ameaça o “conservadorismo catarinense”. Disse que os que chegam “devem vir para trabalhar, contribuir e respeitar nossas tradições” e sugeriu que quem vota na esquerda não deveria migrar para o estado.

Suas falas também geraram críticas e acusação de xenofobia.

Embora diferentes em estilo — Batista mais truculento; Zanatta, menos — ambos convergem na mesma narrativa: a migração é vista como um problema político-eleitoral e como ameaça à identidade regional.

A Doutrina Católica

A Tradição católica oferece critérios claros para julgar tais discursos.

O primeiro é o da unidade da pátria e caridade cristã. A Igreja ensina que todos os povos estão chamados à unidade sob Cristo. São Paulo escreveu: “Aqui não há grego nem judeu, bárbaro nem cita, escravo nem livre; mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3,11).

Dividir brasileiros por origem regional e tratá-los como ameaça é pecado contra a caridade e a justiça.

O segundo critério é o da migração na história cristã. A Cristandade floresceu quando diferentes povos foram integrados sob a mesma Fé, pois acolher o estrangeiro é obra de misericórdia, lembrada pelo próprio Cristo: “Eu era estrangeiro, e vós me acolhestes” (Mt 25,35).

O terceiro critério é o do amor à tradição local, mas sem exclusivismo. É legítimo conservar raízes e tradições próprias, como ensinam papas como Leão XIII (Immortale Dei) e Pio XI (Mit Brennender Sorge). Mas quando esse amor degenera em hostilidade contra irmãos da mesma nação, converte-se em regionalismo pagão — idolatria da terra em lugar da cruz.

Por fim, o quarto critério é o da condenação do racialismo e do nacionalismo excludente. Pio XI, na encíclica Mit Brennender Sorge (1937), condenou toda tentativa de transformar raça, sangue ou região em critério moral absoluto, e as falas de Batista e Zanatta ecoam perigosamente esse erro, ainda que sob roupagem “conservadora”.

É claro que existem exceções legítimas. A própria doutrina católica reconhece que, em certas circunstâncias, pode haver restrição justa à migração: quando há ameaça concreta à ordem pública, ou risco sanitário grave, guerra, ou ameaça aos direitos da verdadeira religião, ou quando o número de chegadas ultrapassa a real capacidade de acolhimento da comunidade.

Nesses casos, não se trata de exclusão arbitrária, mas de prudência governamental, contingencial, em vista do bem comum.

O pecado, de que tratamos aqui, começa quando se transforma a origem regional ou social do migrante em critério absoluto de rejeição — como se fosse indigno em si mesmo.

O Neoconservadorismo

O discurso desses parlamentares não é tradição católica. É uma mistura de:

  • Liberalismo econômico: que reduz o homem a mero fator de trabalho.
  • Nacionalismo estreito: que divide brasileiros entre “aceitáveis” e “indesejáveis”.
  • Retórica pseudotradicional: que fala de valores, mas esquece sua fonte — Cristo e a Igreja.

O resultado é um conservadorismo pagão, que exalta a região mas despreza a fé universal; que fala de ordem, mas sem caridade; que grita tradição, mas trai a Tradição.

Conclusão

Católicos que frequentam a Missa de sempre, mas aplaudem esse tipo de discurso, precisam acordar: não se pode amar o Altar e servir ao ídolo ao mesmo tempo. O verdadeiro tradicionalismo não é muros contra nordestinos, mas muralhas contra o pecado. Não é a defesa de Santa Catarina como reduto político, mas a defesa de Cristo Rei como Senhor do Brasil inteiro.

Santa Catarina não será fiel à sua vocação porque ergueu muros contra irmãos brasileiros, mas porque ergueu altares a Deus.

O católico que confunde a Missa Tridentina com slogans políticos está em risco de trocar a fé pela ideologia. E a ideologia, cedo ou tarde, sempre se voltará contra a Igreja.

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