A Restauração da Família Católica: Entre Virtudes e Sacrifícios

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 31 de agosto de 2025

O texto abaixo é a transcrição duma catequese ministrada pelo Rev. Pe. Wander de Jesus Mais, em 30/08/2025, em Atibaia/SP.


Introdução

A presente catequese, necessária, é sobre a crise espiritual e moral da família à luz da Tradição Católica. Parto de um princípio simples e decisivo: quando se dilui a ordem querida por Deus, não se fragiliza apenas o “ato de fé”, mas também a esperança e a caridade. A fé deixa de crer como deve, a esperança deixa de esperar como convém, e a caridade deixa de amar como manda o Evangelho. É a tríplice falência que vemos em nosso tempo.

Para orientar a cura, seguirei quatro linhas: (1) a missão dos esposos e das esposas; (2) a lógica revolucionária que tenta dissolver a ordem de Deus; (3) a vida das virtudes e a distinção entre defeitos e vícios; e (4) um programa concreto de restauração, centrado na oração, na direção espiritual e sobretudo na Santa Missa.

1. A missão dos esposos e das esposas

Ao varão compete proteger, prover e edificar o lar. É cabeça por instituição divina e, portanto, responsável por criar uma atmosfera sólida de moralidade e fé, onde esposa e filhos possam florescer espiritualmente. Se falhar nessa missão, acumula sobre si gravíssima responsabilidade diante de Deus.

O marido precisa unir fortaleza e mansidão: corrige sem humilhar, admoesta em caridade, chama “à parte” (cf. Mt 18,15), nunca na frente dos filhos ou de terceiros. A verdade, quando dita com amor, dói pouco e cura muito: como o cirurgião que extrai o espinho infeccionado — dói no momento, liberta logo depois.

As mulheres foram profundamente feridas por um processo secular de dissolução. Sem perceber, como o “sapo cozido em água morna”, foram arrancadas do seu habitat natural — o lar — pela falsa emancipação, pela dita “Revolução Industrial” e pelos fantasmas modernos: luxúria, divórcio, aborto, ambição profissional desordenada. O resultado? A vocação primordial de esposa e mãe foi substituída por uma liberdade ilusória e estéril.

A cura exige repatriação: retorno ao reino doméstico querido por Deus, onde a mulher, como cooperadora da ordem sobrenatural através dos cuidados temporais, serve em silêncio luminoso, com sacrifício e nobreza — e reencontra aí a sua própria santidade.

A esposa também corrige o marido quando este se desvia, mas com humildade e firmeza; reza, faz penitência e diz a verdade com caridade. No matrimônio, a correção fraterna é esponsal: feita segundo Deus, não humilha, edifica.

2. A lógica revolucionária da dissolução

Há dois planos: objetivo e subjetivo. Objetivamente, a ordem de Deus é imutável, perfeita, inalterável. Subjetivamente, porém, a rebeldia solapa essa ordem quando os responsáveis por guardá-la falham na adesão, na obediência, na transmissão.

Esta é a estratégia do adversário: solve et coagula — dissolver a ordem e recompor uma ordem falsa que, cumprida sua função corrosiva, será novamente dissolvida e rearranjada.

Assim desfilaram as revoluções: protestantismo, liberalismo, marxismo, materialismo dialético, feminismo — culminando numa feminização brutal da sociedade (e, de modo chocante, infiltrada também na Igreja), que produziu, na melhor das hipóteses, meninos perpétuos; na pior, a proliferação do vício contra a natureza.

O clero não ficou imune: quem entra na Igreja vem de uma sociedade que já não forja varões.

As noites da cultura anticristã são férteis em fantasmas: divórcios sonhados, traições imaginadas, abortos cogitados — pensamentos que borbulham na insônia e procuram solução fora da Lei de Deus.

Não é fantasia: tornou-se propaganda institucional. Vi — e denuncio — uma peça publicitária que retratava um bebê gigante como um monstro que pisoteava casas, com o slogan implícito: “não deixe nada destruir seus sonhos”. É a catequese do inferno. Daí a sequência: postergação do matrimônio, esterilidade voluntária, esterilizações cirúrgicas, “arrependimentos” tardios, paliativos de consciência.

E, por cima, a mentira piedosa do “primado da consciência” entendida como licença para chamar o mal de bem.

A consciência vale como juiz quando é reta; se deformada, não goza primado algum. A verdade é a adequação do intelecto à realidade: verde não é vermelho, homem não é mulher, mal não é bem — por mais que uma cultura inteira repita o contrário.

3. Virtudes: teologais e cardeais; defeitos e vícios

Fé, esperança e caridade são virtudes infusas por Deus e ordenam-se diretamente a Ele. Por isso se chamam “teologais”: crer em Deus, esperar em Deus, amar a Deus acima de tudo.

Prudência, justiça, fortaleza e temperança, enquanto virtudes cardeais, regulam nossos apetites em cooperação com as virtudes teologais. Entre elas, a prudência ocupa lugar primaz: sem ela, todo o edifício moral desaba. A Sagrada Escritura está repleta de exortações à prudência; Santo Tomás esmiúça esse primado até a exaustão.

Defeito predominante é limitação de temperamento (que pode e deve ser trabalhada com a graça); vício é adesão habitual ao pecado, que conduz à morte espiritual se não for combatido com constância, humildade e paciência.

Três raízes se destacam: orgulho (a “soberba da vida”), avareza (a “concupiscência dos olhos”) e luxúria (“a concupiscência da carne”). A avareza, por exemplo, alimenta o desejo desordenado por status e bens, que se opõe frontalmente à generosidade da vida familiar numerosa, desejada por Deus.

E havemos de tocar em questões espinhosas: esterilizações (laqueadura, vasectomia) e seus paliativos de consciência exigem reparação séria. A absolvição sacramental não é placebo emocional: reclama contrição, propósito de emenda e a tentativa de desfazimento do mal cometido. Do contrário, fabrica-se anestesia moral, não conversão.

4. Programa de restauração (simples, objetivo e eficaz)

A boa notícia é que os meios de restauração são abundantes e eficazes. A graça santificante não falta; as graças atuais socorrem; a doutrina de sempre ilumina. O caminho não é complicado — complicação é, quase sempre, sintoma de voluntarismo ou ansiedade.

Segue um plano enxuto:

4.1. Oração mental diária (≈ 25 minutos)

Acorde e ponha-se na presença de Deus. Invoque o Espírito Santo. Leia um trecho breve de boa leitura (ver 4.3) e medite com simplicidade: o que Deus me diz? o que devo mudar hoje?

Não imponha heroísmos excêntricos ao lar: tome cuidado para não acordar os de sua casa às 3h com Rosários e velas acesas. Seja prudente e discreto — a santidade não atrapalha o próximo.

Nota prática: abandone o celular na madrugada. Navegação noturna é cova aberta para tentações.

4.2. Rosário quotidiano

Reze ao menos um terço por dia. Se a Providência permitir mais (viagens, esperas), ótimo; mas sem pietismo: recitar muitas orações e viver mal não é virtude, é caricatura.

Cultive a vida contemplativa segundo o seu estado: leigos, religiosos, sacerdotes — cada um com suas medidas, todos chamados à união com Deus.

4.3. Leituras mestras e direção espiritual

Comece por Introdução à Vida Devota (Filoteia), de São Francisco de Sales: manual claro, acessível, profundamente prático. Quando avançar, leia o Tratado do Amor de Deus.

Para solidificar fundamentos, vale recorrer a autores que desdobram a vida interior (p.ex., Juan G. Arintero em edições populares). Leia pouco e aplique muito.

Não se apresse em procurar direção espiritual. Ela não é “bate-papo”, mas orientação firme para almas que já caminham estavelmente na via purificativa, e desejam engatar uma nova marcha na via da perfeição.

4.4. A Santa Missa ao centro

A Missa é o ápice do face a face com Deus; tudo converge para ela. Quem entende isso não se satisfaz com sucedâneos mitigados. Por isso, o domingo é inegociável.

Faça sacrifícios proporcionais. O chamado “grave incômodo” (distâncias extremas, impossibilidades reais) atenua a obrigação, mas caprichos e preguiças, não.

Para frequentar as missões e as capelas, organizem caronas e rachem o combustível com justiça — esta é uma tradição prática que ajuda a muitos. Ao chegarem, recorram à confissão, que deve ser frequente. Onde houver sacerdotes atendendo, organizem-se com caridade e ordem.

5. Duas parábolas de bolso (para a inteligência inquieta)

Quando mais novo, estava em momento de lazer em família, jogando pingue-pongue com irmãos e primos. Convidamos um dos tios para jogar. Ao chegar à mesa, ele não permitiu que o jogo fosse retomado. Uma mente positivista, obcecada por perfeições técnicas, arruinou o jogo: passou uma hora “corrigindo” a luz e a inclinação da mesa e matou a alegria.

A aplicação é: não complique o simples; quem transforma a vida espiritual em engenharia de laboratório perde o essencial.

Por fim, é importante refletir sobre a dignidade e sacralidade do culto que se frequente. Quem não tem água pura não bebe água esgoto, dando-se por satisfeito.

A aplicação é: não substitua o culto perfeito por imitações cômodas, apenas “para não ficar sem nada”.

Conclusão: uma “dedada de mel”

A restauração começa em casa, todos os dias, sem alarde: esposos fortes e prudentes, esposas santas e sacrificiais, filhos educados na fé. Tudo firmado nas virtudes, aquecido pela oração, guiado pela direção espiritual e coroado pela Santa Missa.

A graça é abundante, os meios são claros, a Tradição é segura. Cada um busque a perfeição segundo o seu estado, imitando os santos na adesão incondicional a Deus, de modo simples e ordenado, sem esquizofrenia espiritual — e com a doçura firme de São Francisco de Sales a nos conduzir: começar, perseverar, crescer.

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