No Sábado Santo, “apenas Maria manteve a fé”? E quanto a Pedro e os Apóstolos?

Introdução
No silêncio do Sábado Santo, entre a agonia da Cruz e a glória da Ressurreição, a Igreja contempla o mistério da espera.
Neste entremeio, certos pregadores, — ainda que carregados de ternura e reverência — costumam dizer, equivocadamente, que, durante esse tempo sombrio, “só Maria conservou a fé”, enquanto os apóstolos a teriam “perdido”.
Mas será isso teologicamente verdadeiro? É possível afirmar que todos os apóstolos, incluindo São Pedro, chegaram a perder a fé?
A Escritura como testemunha
A resposta, quando se recorre às fontes certas — a Sagrada Escritura, os Padres da Igreja e os Santos Doutores (como São Roberto Belarmino) —, é muito mais rica, precisa e equilibrada do que uma simples afirmação simbólica.
A Escritura oferece pistas valiosas. Jesus diz a Pedro: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22,32). Ainda, na belíssima Oração Sacerdotal, Ele declara ao Pai: “Guardei os que me deste; nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição” (Jo 17,12). Também, anuncia aos discípulos: “Sereis todos escandalizados por minha causa esta noite” (Mt 26,31).
Naquela mesma noite, os apóstolos vacilaram, fugiram, se esconderam e se calaram. Pedro, indo ainda mais longe, negou mesmo que conhecia Jesus. Contudo, essas atitudes, embora pecaminosas, não configuram apostasia, ou seja, rejeição deliberada da fé. A fé teologal, infundida por Deus, pode ser obscurecida pelas emoções e pelo medo, mas não se extingue automaticamente por omissão ou escândalo momentâneo.
A análise de São Roberto Belarmino
São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja, oferece uma análise profunda dessa realidade. Em sua obra “Disputas sobre a Fé Cristã”, ele esclarece que Pedro, embora tenha negado Cristo por medo, não pecou contra a fé, mas sim contra a caridade. Sua fé foi preservada pela oração de Jesus, a qual é sempre eficaz.
Quanto aos demais apóstolos, Belarmino argumenta que a censura de Jesus por sua incredulidade (cf. Mc 16,14) diz respeito à lentidão em crer na Ressurreição, e não à perda da fé que já possuíam. Eles não estavam obrigados a um assentimento pleno em relação àquilo que sequer tinham compreendido minimamente (Lc 18,34).
A vacilação, o medo e a fuga são sim pecados de fraqueza, mas não infidelidade formal. Por isso, Belarmino adverte que é teologicamente incorreto afirmar que somente Maria conservou a fé, pois isso implicaria reduzir a Igreja a uma única pessoa. A fé subsistiu sim no Corpo Místico, que era composto por mais de um membro, ainda que silenciosa e sofrida.
O caso de Judas Iscariotes
Em contraste, Judas Iscariotes foi deliberadamente excluído da oração de Cristo. João 13 mostra que ele saiu da Ceia antes da Oração Sacerdotal. Em Jo 17, Jesus reza por todos os apóstolos, exceto por ele, a quem chama de “filho da perdição”.
Judas rompeu com Cristo por decisão livre, consciente e obstinada. Não caiu por fraqueza, mas por infidelidade.
Conclusão
Assim, no Sábado Santo, a fé da Igreja não foi extinta, mas recolhida no silêncio. Maria Santíssima permaneceu sim como modelo perfeito de fé pura e confiante. Mas Pedro, apesar de seu pecado, não perdeu a fé, conforme o próprio Cristo garantiu. Também, os outros apóstolos hesitaram e se esconderam, mas não apostataram. Isso para não mencionar Maria Madalena e outros discípulos fiéis. Todos, ainda que confusos, conservaram a fé em Cristo.
Realmente, Judas Iscariotes, não alcançado pela Oração Sacerdotal de Cristo, foi o único que se separou definitivamente da fé.
Portanto, não se deve dizer que “todos, exceto Maria, perderam a fé” no Sábado Santo. Deve-se dizer que alguns calaram a fé, outros a velaram, poucos a compreenderam — mas nenhum dos fiéis a extinguiu. A fé brilhou em Maria como chama viva; em Pedro como brasa escondida; nos apóstolos como luz enfraquecida pela noite — mas jamais apagada quanto a nenhum destes.