A Infalibilidade Papal antes das Definições e dos Dogmas

Introdução
A infalibilidade papal costuma gerar muitas dúvidas entre os fiéis. Afinal, se a Igreja ensina que o Papa é infalível apenas quando fala de maneira solene e definitiva sobre fé ou moral, como explicar os ensinamentos dos Apóstolos e dos primeiros papas, que viveram séculos antes da formalização dessa doutrina no Concílio Vaticano I? E, diante dos ensinamentos de papas contemporâneos, como distinguir o que é infalível do que não é?
A definição da infalibilidade
A infalibilidade, definida em 1870 na constituição Pastor Aeternus, não é absoluta nem informal. Ela só se aplica quando o Papa fala como pastor da Igreja universal, com intenção de definir uma doutrina sobre fé ou moral, e exige que essa doutrina seja aceita como revelada por Deus.
Fora dessas condições, o Papa pode errar, como qualquer outro membro da hierarquia.
Um exemplo claro e verificável é o caso do Papa João XXII, no século XIV, que ensinou em suas homilias que as almas dos justos não veem Deus antes do Juízo Final. Essa opinião foi rejeitada por grandes teólogos da época e, mais tarde, o próprio Papa se retratou antes de morrer.
Isso comprova que, fora do exercício formal da infalibilidade, um Papa pode de fato ensinar erro, sem que isso comprometa a indefectibilidade da Igreja.
O erro de exagerar a infalibilidade
Há erros no sentido de exagerar o alcance da infalibilidade, como o que atribui esse caráter a qualquer ensinamento do Papa sobre fé e moral, mesmo que ele não tenha feito uma definição solene.
Isso distorce o dogma e ignora exemplos históricos em que papas defenderam opiniões erradas fora do exercício da infalibilidade. A verdadeira doutrina católica distingue entre o que é infalível e o que não é, sem cair em extremos.
A infalibilidade nos tempos apostólicos e patrísticos
Os Apóstolos, especialmente São Pedro, receberam de Cristo a missão de ensinar com autoridade. Eles ainda não usavam a linguagem jurídica que a Igreja desenvolveria séculos depois, mas seus ensinamentos estavam de acordo com os critérios da infalibilidade. Os primeiros papas, que atuaram como guardiões da fé apostólica, também ensinaram com autoridade doutrinária, mesmo sem formalizar suas decisões da maneira como se faz hoje.
Portanto, a infalibilidade já operava na Igreja desde o início, mesmo quando ainda não havia sido jurídica e canonicamente sistematizada.
Presunção de veracidade e discernimento doutrinal
É importante fazer uma distinção clara: embora não devamos presumir que todo ensinamento papal seja infalível, devemos, por respeito à autoridade, presumir sua veracidade até que se prove o contrário. Nada obstante, quando um ensinamento claramente contradiz o que a Igreja sempre ensinou constante e universalmente, temos não apenas o direito, mas o dever de resisti-lo.
Não se trata de julgar subjetivamente o Papa, ou de exercer “livre-exame” sobre seus ensinamentos, mas de reconhecer que o magistério só é infalível quando preserva e transmite fielmente o depósito da fé.
O problema dos ensinamentos pós-Vaticano II
No caso dos papas pós-Vaticano II, não devemos partir do princípio de que estão errados. Mas é perfeitamente verificável que o que ensinam rompe com o que a Igreja sempre ensinou, de modo que é legítimo questionar e recusar o assentimento.
O magistério (incluindo o atual) só é infalível quando está em continuidade com o magistério de sempre. A infalibilidade não é um poder mágico que transforma qualquer fala ou escrito papal em verdade de fé. Ela está a serviço da Tradição, e não acima dela.
Exemplos de infalibilidade antes de sua definição
A história dos papas dos primeiros séculos comprova isso. Mesmo sem usar as fórmulas jurídico-canônicas que tornaram-se comuns nos séculos seguintes, eles exerceram autoridade doutrinária infalível em questões centrais da fé. Por exemplo, no Concílio de Jerusalém, São Pedro definiu que era teologicamente errado impor aos gentios o seguimento da Lei mosaica. São Clemente interveio autocraticamente em Corinto para restaurar a ordem e a unidade católicas. São Vítor enfrentou divergências sobre a data da Páscoa. São Cornélio, Santo Estêvão e São Dionísio também tomaram decisões importantes em questões doutrinárias, obedecidas como legítimas por toda a Igreja.
Todos esses atos confirmam que o primado petrino e a infalibilidade papal são realidades vivas desde os tempos apostólicos, ainda que só mais tarde tenham sido explicadas em maiores detalhes.
Conclusão
Portanto, é possível e correto afirmar que os Apóstolos e os primeiros papas ensinaram infalivelmente quando transmitiram fielmente a doutrina revelada por Nosso Senhor. Assim sendo, as definições dogmáticas posteriores daqueles ensinamentos não inventaram tal realidade; apenas a reconheceram. E os papas (incluindo os conciliares e pós) só gozam da mesma infalibilidade quando ensinam em plena continuidade com essa mesma fé, sem rompê-la ou alterá-la.
Reconhecer isso é permanecer fiel à Igreja de sempre, distinguir com sabedoria o que se deve seguir e o que se deve resistir, e guardar com zelo o tesouro da fé católica.