Aos Pés da Cruz: Maria como Co-Redentora e o Mistério da Salvação

O texto abaixo é a transcrição do sermão proferido pelo Rev. Pe. Françoá Costa, na Associação Cultural Cor Mariae Dulcissimum (São Paulo/SP), em 03/05/2025, Festa de Santo Alexandre I, papa.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós.
A Igreja nos ensina quatro verdades dogmáticas sobre a Santíssima Virgem Maria: Ela é Mãe de Deus, sempre Virgem, Imaculada e Assunta ao Céu.
Nos últimos tempos, a teologia católica tem aprofundado a compreensão de Maria como Co-Redentora. Embora ainda não seja dogma definido, é uma verdade de fé intuída e desenvolvida pela piedade cristã. Prova disso é que um dos seminários da Fraternidade Sacerdotal São Pio X leva este nome: “Nossa Senhora Co-Redentora”.
Para quem tem um coração aberto às verdades da fé católica, não é difícil compreender esta verdade. Basta contemplar o mistério da Cruz e ver Nossa Senhora aos pés da Cruz, como nos relata João 19,26-27: “Eis aí tua mãe. Eis aí teu filho.” Ali, Maria participa de maneira singular do mistério da Redenção.
São Paulo diz: “Completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo” (Cl 1,24). A paixão de Cristo é perfeita em si mesma, mas falta a nossa participação: falta unirmos a nossa vida, nossas dores, à paixão do Senhor. Sim, até nós podemos participar, como São Paulo, São Pedro ou mesmo Santo Alexandre I, cuja memória celebramos hoje. E, se é assim, como não reconhecer em Maria — presente fisicamente e espiritualmente aos pés da Cruz — a Co-Redentora por excelência? Ela, ao contrário de nós, estava realmente ali, entregando-se com amor e dor ao plano redentor do Filho.
Esse mistério envolve também o equilíbrio entre a onisciência de Deus e a liberdade humana. Deus conhece o número dos eleitos — não pode não saber, pois é onisciente. Mas esse conhecimento não causa a nossa colaboração: somos livres para nos unirmos ou não ao mistério da Cruz. E, uma vez que o fazemos, Deus o sabe eternamente. Nossa colaboração é real, livre e prevista na sabedoria divina.
Nossa Senhora é Mãe de Deus, toda santa, sempre Virgem. Deus a escolheu desde toda a eternidade, adornando-a com todos os dons naturais, sobrenaturais e gloriosos, para ser Sua Mãe. Sendo templo exclusivo do Altíssimo, Ela oferece ao Pai o Seu próprio Filho, de modo maternal, virginal e imaculado.
Isso a faz verdadeiramente Co-Redentora. Se Eva gerou para a vida natural, Maria, como nova Eva, gera para a vida sobrenatural. Assim como Cristo é o novo Adão, Maria é a nova Eva. A geração para a graça se dá na Igreja, em Maria, e por isso sua presença aos pés da Cruz tem valor inestimável. Somos gerados para a vida sobrenatural pela paixão e ressurreição de Cristo, e Maria está ali como Mãe da graça.
Eu me pergunto – já me perguntei tantas vezes: onde está o batismo dos Apóstolos na Escritura? Não há. Há menção ao batismo de João Batista, mas aquele não era o batismo sacramental instituído por Cristo — era apenas uma preparação.
O verdadeiro batismo só pode surgir depois da paixão, morte e ressurreição do Senhor. A teologia católica reconhece que, em certos casos, a graça do sacramento pode ser recebida sem o rito: chama-se res tantum*, isto é, “a realidade do sacramento”. Como no caso de um mártir que morre pela fé antes de ser batizado com água — ele recebe o batismo de sangue. Assim também, os Apóstolos, presentes e imersos no mistério da paixão, teriam recebido essa graça. O Concílio de Trento ensina que foram ordenados com as palavras: “Fazei isto em memória de mim” (cf. Lc 22,19). A realidade sacramental estava presente fisicamente nos dias santos, e sua união ao Cristo crucificado os inseriu no mistério redentor de maneira singular.
Tudo isso realça a presença de Maria como Co-Redentora: ali, fisicamente, aos pés da Cruz, chorando, sofrendo, oferecendo. Ela participa ativamente da Paixão do Senhor. Não se trata de uma presença passiva, mas de uma oferta consciente, virginal e materna. De certa forma, São João “nasce” espiritualmente ali, quando Jesus diz:
“Eis aí teu filho.”
Cada Santa Missa é a atualização sacramental da Paixão. Participar dela é exercer o sacerdócio batismal — de forma distinta do sacerdócio ministerial, mas real e eficaz. Aqui se encontra o verdadeiro significado do “sacerdócio dos fiéis”. Não se trata de uma “igreja toda sacerdotal”, onde se confundem funções e identidades. Há distinção ontológica entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial. Mas o batismo nos capacita, sim, a unir nossas orações e sacrifícios ao Sacrifício do Altar.
Tragam para a Missa vossos jejuns, vossas lutas, vossas intenções. Em alguns ambientes, fala-se de “entregar o jejum”. Não discutimos aqui a linguagem, mas o sentido: trazer tudo isso para a Santa Missa, unindo ao sacrifício de Cristo. Isso é viver a co-redenção.
Cristo é o Redentor. Maria é Co-Redentora de modo especial. E nós podemos ser, com Ela, co-redentores secundários, mas verdadeiramente unidos a esse mistério.
Importa salvar as almas. Tudo é pela salvação das almas.
Que Nossa Senhora nos ajude a compreender isso e nos una a Jesus Cristo.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
* Em teologia sacramental, “res tantum” é a expressão usada para designar a graça de um sacramento que se recebe sem o rito visível, como no caso de um catecúmeno que morre mártir antes do batismo (batismo de sangue). Os Apóstolos, presentes no mistério pascal, teriam assim recebido essa graça, embora não se registre a cerimônia sacramental propriamente dita.