Nem Frio, Nem Quente: Segunda Parte – O Esteticismo Tradicionalista

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 2 de maio de 2025

Introdução

Em tempos de crise litúrgica e doutrinária na Igreja, cresce o número de fiéis que buscam refúgio na beleza da liturgia tradicional. A Missa Tridentina, com os parâmentos solenes, o canto gregoriano, o latim, o incenso e a arquitetura sacra, atrai muitos católicos cansados da banalização do sagrado.

No entanto, essa aproximação com o tesouro litúrgico da Igreja nem sempre vem acompanhada dum compromisso integral com a Tradição, entendida não como uma atmosfera ou sensibilidade, mas como a transmissão objetiva da fé revelada por Cristo e ensinada ininterruptamente pelo magistério da Igreja.

Este artigo examina uma distorção crescente: o esteticismo tradicionalista — a redução da Tradição a uma experiência sensorial, psicológica ou simbólica, desvinculada da doutrina e da militância católica autêntica.

Tradição como sensibilidade litúrgica

Muitos católicos têm redescoberto o rito romano tradicional por causa de sua beleza e solenidade. Isso, em si, é algo bom. No entanto, não são poucos os que permanecem presos à dimensão sensível da liturgia: preferem a Missa Tridentina porque é “mais bonita”, “mais reverente”, “mais contemplativa”, sem aprofundar-se no que ela significa doutrinalmente.

A Missa não é um teatro belo para “sentir Deus”. Ela é o Sacrifício de Nosso Senhor renovado no altar, e é inseparável da teologia que a estrutura. O tradicionalismo não é uma estética: é a fé católica vivida integralmente.

A liturgia como experiência subjetiva

Inspirados pela mentalidade pós-moderna, muitos confundem o impacto simbólico da liturgia com uma experiência mística pessoal. Vão à Missa como quem vai a um ritual de imersão: “eu me sinto elevado”, “eu me emociono”, “eu me reencontro”. Esses frutos subjetivos podem ser verdadeiros, mas não são o centro da liturgia. O centro é Deus. O centro é o Sacrifício. O centro é o culto objetivo prestado à Santíssima Trindade.

A Tradição litúrgica da Igreja não é uma “experiência de transcendência” ajustada à alma moderna. Ela é a forma sagrada e imemorial com que a Esposa de Cristo sempre adorou a Deus.

Tratar a Missa como uma ferramenta de “imersão” é instrumentalizá-la.

O tradicionalismo simbólico e vazio de doutrina

O esteticismo tradicionalista também se manifesta quando se usa a linguagem da Tradição — “sacralidade”, “reverência”, “ordem”, “mistério” — sem abraçar a doutrina que lhe corresponde. Não são raros os que vão à Missa antiga, mas defendem ideias ecumênicas, aderindo ao Concílio Vaticano II, promovendo a “liberdade religiosa”, relativizando a exclusividade salvífica da Igreja Católica etc.

Isso é incoerência grave. O rito tradicional não é neutro. Ele é fruto de uma eclesiologia, de uma teologia sacramental, de uma concepção inteira de mundo e de Igreja. Não se pode separar a forma do conteúdo, a expressão do dogma. Como ensinou Pio XI na encíclica Mortalium Animos, não se pode afirmar que todas as religiões conduzem igualmente a Deus, nem conceder autoridade a uma falsa religião cristã como se fosse equivalente à verdadeira Igreja de Cristo (3, 10).

A estética tradicional como estilo de vida culto

Outra forma de esteticismo é o “trad lifestyling”: um modo de vida que adota roupas, gostos musicais, arquitetura e costumes “tradicionais”, muitas vezes mais ligados ao gosto pessoal do que à verdadeira espiritualidade católica. Trata-se da estetização da identidade tradicionalista.

Isso pode ser inofensivo enquanto reflexo cultural da fé. Mas quando se torna o centro da identidade, substituindo a doutrina e o combate espiritual, torna-se um erro: um tradicionalismo de aparências, desvinculado do conteúdo doutrinário que lhe dá sentido.

A Tradição não é uma estética de rede social: é a continuidade doutrinal, litúrgica e espiritual com os santos do passado.

A rejeição da militância católica

Muitos que se dizem “tradicionais” rejeitam qualquer forma de combate doutrinário mais direto. Fogem de discussões, repudiam a apologética, evitam criticar erros de pastores por medo de parecerem “desrespeitosos” ou “divisivos”. Preferem se refugiar na liturgia bela como se isso bastasse.

Mas a Tradição também é milícia. Também é confissão de fé. Também é resistência ao erro. Os santos que celebravam a Missa de sempre também combatiam os hereges, catequizavam os ignorantes e desmascaravam os abusos. Ser tradicional é também combater.

Conclusão: A Tradição é fé, culto e vida

O tradicionalismo católico não é um conjunto de sensações religiosas ou preferências culturais. É adesão íntegra, alegre e corajosa à fé de sempre, com todas as suas consequências.

A Missa tradicional é bela, sim. Mas sua beleza é fruto de sua verdade. Não se pode separar uma da outra. Quem se apega apenas à beleza, sem aceitar a verdade que ela expressa, transforma a Tradição numa vitrine. E a Igreja não é uma vitrine. É a Arca da Salvação.

Quem quiser verdadeiramente ser católico tradicional, deve aderir com a inteligência, com o coração e com a vida à doutrina de sempre. E deve combatê-la, vivê-la e transmiti-la, mesmo que não haja incenso, canto ou pedra lavrada.

A Tradição é mais que sensibilidade. É cruz, é combate, é entrega. É o sangue dos mártires, o magistério dos papas, o altar dos séculos — e o combate dos que não aceitam ver a Igreja se diluir em sensações.


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