Pio IX: de liberal a reacionário santo

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 24 de abril de 2025

Introdução

A história do Papa Pio IX é uma das mais surpreendentes da Igreja moderna. Ele começou seu pontificado em 1846 como uma esperança viva para liberais, reformistas e nacionalistas, mas terminou sua vida como um dos mais firmes defensores da ortodoxia católica, da resistência ao mundo moderno e da santidade do papado.

Seu percurso mostra que, sim, é perfeitamente possível a um liberal se converter de verdade e tornar-se um reacionário autêntico — e santo.

O jovem cardeal Mastai-Ferretti: simpatia pelas reformas

Antes de se tornar papa, Giovanni Maria Mastai-Ferretti era conhecido como um prelado gentil, carismático e simpático ao que se chamava de “progresso”. Como arcebispo de Imola, tolerava a ideia de constituições civis e buscava reformar a administração local dos Estados Pontifícios.

Nunca foi um revolucionário radical, é verdade, mas era sim mais aberto que seus predecessores, o que se pode chamar de revolucionário “moderado”.

O papa das esperanças liberais

Quando foi eleito Papa, em 1846, sob o nome de Pio IX, os liberais comemoraram, e com razão. Em seus primeiros dois anos de pontificado, o novo papa promulgou uma Constituição para os Estados Pontifícios, concedeu anistia a prisioneiros políticos (revolucionários, em grande parte maçons), formou um conselho misto de clérigos e leigos, e foi ovacionado como o “Papa da liberdade”.

Muitos o esperavam como um aliado da unificação italiana, pauta da qual ele era simpatizante, até que as coisas mudaram.

A recusa em abençoar a guerra contra a Áustria

A expectativa dos revolucionários ruiu em 1848. Naquele ano, o Reino da Sardenha e outras regiões italianas entraram em guerra contra a Áustria, para expulsar os austríacos do norte da Itália.

Esperava-se que o Papa apoiasse a guerra. Mas Pio IX recusou-se firmemente, afirmando que não podia abençoar uma guerra entre dois povos católicos. Para, a unificação, se fosse o caso, deveria ocorrer sem sangue de católicos derramado por mãos católicas.

Essa recusa provocou a fúria dos liberais e maçons. O Papa, agora, era um traidor.

A Revolução de 1848 e a fuga do Papa

Em novembro de 1848, o Primeiro-Ministro do Papa, Pellegrino Rossi, foi assassinado. Roma mergulhou no caos. Em meio a revoltas e invasão do palácio papal, Pio IX, para não ser morto, fugiu disfarçado para Gaeta, no Reino das Duas Sícilias.

Em fevereiro de 1849, os revolucionários proclamaram a República Italiana e a abolição do poder temporal do Papa.

O retorno dum homem transformado

Com a ajuda das tropas francesas de Napoleão III, a República foi derrotada e o Papa voltou a Roma em 1850. Mas voltou mudado. Aquele Papa conciliador estava agora convicto de que o liberalismo era incompatível com a fé católica, e também desleal, fingindo-se de pacífico e racional para implementar tiranias laicistas, bem como perseguições religiosas e atentados contra a Igreja.

Começou, então, um pontificado de resistência.

A guinada reacionária

Pio IX anulou a Constituição, suprimiu o Parlamento e governou com mão firme. Reprimiu revoltas, expulsou inimigos eclesiásticos e civis, condenou revolucionários mais radicais à pena de morte e transformou Roma numa bastiã de ortodoxia.

No campo doutrinário, promulgou a encíclica Quanta Cura (1864) e o Syllabus Errorum, condenando os erros do mundo moderno, como a liberdade religiosa, o racionalismo, o laicismo, o indiferentismo religioso e a separação entre Igreja e Estado.

Prisioneiro do Vaticano

Em 1870, com a tomada de Roma pelo Reino da Itália, Pio IX recusou-se a reconhecer o novo regime. Enclausurou-se no Vaticano, autodeclarando-se “prisioneiro”.

Mesmo assim, corajosamente, convocou o Concílio Vaticano I, o qual reafirmou os ensinamentos católicos tradicionais, bem como, na contramão de todas as expectativas, inclusive enfrentando duras oposições internas, definiu o dogma da infalibilidade papal, fortalecendo a identidade doutrinal da Igreja.

Um reacionário santo

Pio IX morreu em 1878, incompreendido por muitos, odiado por liberais e venerado por católicos fiéis. Seu exemplo mostra que a coragem de romper com os erros modernos é possível até mesmo para quem um dia os acolheu.

Se o liberal Mastai-Ferretti se converteu num reacionário santo, também nós podemos abandonar as ilusões modernas e nos render, sem reservas, à verdade eterna da Tradição Católica.

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