Madalena, a Tradição e o Coração Doloroso da Mãe

O texto abaixo é a transcrição do sermão proferido pelo Rev. Pe. Wander de Jesus Maia, na Associação Cultural Cor Mariae Dulcissimum (São Paulo/SP), em 14/04/2025, Segunda-feira Santa.
Queridos fiéis, nesta Segunda-feira Santa, somos conduzidos a contemplar, com piedade filial, as dores do Imaculado Coração de Maria. A Mãe Santíssima, que concebeu o Verbo na mais pura alegria da fé, é também aquela que mais profundamente sofreu com Ele, unida de modo inseparável ao mistério da Redenção. Cada passo da Paixão de seu Filho já feriu, desde o princípio, o seu Coração virginal.
É à luz dessas dores silenciosas e esmagadoras que se compreende o gesto de Maria Madalena. Se o Coração da Mãe já sangrava interiormente pelos tormentos anunciados, o coração da convertida, da discípula fiel, já ardia em adoração e reparação antecipada. Ao derramar sobre Nosso Senhor aquele perfume preciosíssimo, Madalena não realiza apenas um ato de amor — ela participa, à sua maneira, das dores de Nossa Senhora. Pois quem ama verdadeiramente o Cristo crucificado, deseja unir-se à sua Paixão desde já, oferecendo o melhor, o mais caro, o mais puro, antes mesmo que a cruz seja erguida.
Há poucos dias tínhamos outra narração da mesma cena. Se aquele perfume foi gasto em tributo de adoração, uma quantia significativa foi oferecida por uma filha, uma verdadeira crente — com letras maiúsculas — que sabia que a Deus não se oferece qualquer coisa.
Quando a própria Missa, de forma orgânica, contínua e santa, foi se desenvolvendo ritualmente ao longo dos primeiros séculos — já que ali, na sua instituição na Quinta-feira Santa, ela já estava posta — todos os seus elementos essenciais já estavam presentes. Era hora da autoridade suprema da Igreja, os Romanos Pontífices, reconhecerem o que nela floresceu, instituindo-a para sempre e purificando-a de tudo aquilo que viesse de fora e não pertencesse ao depósito confiado por Nosso Senhor. E assim aconteceu, de modo admirável.
No século VI, um Papa ardente de zelo, inflamado pelas coisas santas de Deus, reconheceu exatamente aquilo que, desde a noite da Quinta-feira Santa, já estava presente de forma embrionária — o sacrifício perpétuo — e que, ao longo do tempo, se desenvolveu e foi reconhecido como o que ela é em si: o Santo Sacrifício da Missa.
Por que faço essa analogia? Porque essa atitude de Madalena é uma imagem prévia de como se deve tratar a Deus. E notem: não era nenhuma sacerdotisa — porque elas não existem — nem uma profetisa. Os sacerdotes instituídos por Nosso Senhor foram os doze apóstolos. Maria Madalena ela era uma crente.
O que quero dizer é que aqueles que creem se admiram e sabem o valor sagrado das coisas de Deus. Quem não se admira, quem não reconhece esse valor, é porque não crê. É o ímpio que reluta contra a gloriosidade de Deus, contra Sua magnificência, contra Sua beleza — comunicada, por exemplo, através do que há de mais sagrado: o Santo Sacrifício da Missa.
Neste início de Semana Santa, nesta cena tão admirável, tão piedosa, tão cheia de reverência e adoração, tão superabundantemente impregnada de profissão de fé, aprendamos a não colocar Nosso Senhor em segundo lugar. E daí para frente, muito menos. Se não podemos colocá-Lo em segundo lugar, muito menos em terceiro ou quarto. O que se passou no coração daquela serva, que foi em busca daquela quantidade de perfume para prestar reverência e culto de adoração ao seu Deus, que acabara de se revelar, só pode ter sido obra da graça.
O Espírito Santo ainda não havia sido plenamente derramado — isso ocorreria em Pentecostes —, mas, pela presença do próprio Divino Salvador, já havia um influxo de graça com intensidade superior ao que se dava no Antigo Testamento. Era o próprio Filho de Deus diante deles. Ele ainda não havia doado o Espírito Santo, mas começaria uma doação prévia após a Ressurreição, quando diria: “Recebei o Espírito Santo”.
Há graças singulares que Ele estava derramando naquelas almas ardentes. A irmã de Marta e Lázaro, Maria de Betânia, foi alvo dessas graças. Ela soube canalizá-las na alma, traduzindo-as em adoração, obediência, preparação, entrega. Ela se debruça sobre o altar dos altares: o corpo do Filho de Deus. Não há altar maior do que Ele.
Na primeira narrativa, vemos o embate com o fariseu — símbolo da antiga elite espiritual reprovada. Na segunda, o embate com o apóstolo apóstata, que será eliminado do Reino da Vida. Deus reprova os que atacam a Tradição por duas razões: torpeza e ignorância. Que a maioria esteja do lado da ignorância, Deus queira.
Mas há também a elite espiritual deste tempo, com as chaves nas mãos, “que nem entra, nem deixa entrar”. Esses são os que Nosso Senhor retira do livro da vida. Sejamos profundos, não dispersos. Nesta cena, Deus reprova a anti-elite espiritual de Israel, e também os apóstolos infiéis do novo Israel. Judas, reprovado. Madalena, convertida e fiel.
Ela, outrora dominada pela impureza e pelos vícios, pertencia a uma família oligárquica e tinha tudo para permanecer na indiferença. Mas o influxo da graça foi tão forte que sua conversão figura entre as mais arrasadoras do Novo Testamento. Talvez entre as cinco maiores. Uma conversão autêntica, radical. Como a de São Paulo. Como a de São Lucas. Ela rendeu glória à incomparável vida em Deus.
Por isso, não coloquemos Deus em segundo plano. As coisas terminam mal quando isso acontece, quando começamos a organizar a vida, os orçamentos, as decisões profissionais, sem que Deus esteja em primeiro lugar. Vida sacramental, oração, culto, formação espiritual… nada disso pode ser negligenciado.
O católico autêntico não faz de Deus um acessório. Ele reconhece o direito divino, inclusive no sustento do culto e da Igreja. O problema não está em pedir, mas em pedir da forma errada para os fins errados. O dízimo é um direito de Deus. E, com paz na consciência, afirmo: aqui ninguém enriquece. Mas é surpreendente como, mesmo com poucos, esta capela se sustenta melhor do que paróquias com milhares de fiéis. Porque somos católicos. Porque não colocamos Deus em segundo plano.
Terminemos pedindo à nossa Rainha Santíssima — cuja coroa das sete dores rezamos hoje — que nos livre da indiferença, da leviandade, da superficialidade. Que nos livre de sermos como Judas: superficial, leviano, indiferente. Que não façamos de Deus um apêndice da vida. Que O adoremos com todo o coração, mente e forças. Que sejamos fiéis da Tradição.
Louvados sejam os santíssimos nomes de Jesus e Maria.