Expiação e Obediência: A Chave para Compreender a Paixão de Cristo

O texto abaixo é a transcrição da catequese ministrada pelo Rev. Pe. Wander de Jesus Maia, na Associação Cultural Cor Mariae Dulcissimum (São Paulo/SP), na Quinta-Feira da Paixão, 10/04/2025.
Em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado.
Nesta Semana Santa, chamada por muitos de Semana Admirável, mergulhamos nos mistérios da Paixão, Morte e Ressurreição do Salvador. Não como enigmas ou charadas, mas como realidades que transcendem a razão humana. O mistério não anula a razão, mas a eleva ao seu limite. Uma fé que não fosse racional, ainda que não racionalista, não seria fé verdadeira (cf. Rm 12,1-2).
Somos uma civilização intelectualmente empobrecida. Nossa inteligência técnica substituiu a intelectual, e a confusão entre matéria e substância, essência e acidente, ser e agir revela nossa falência filosófica. Nossos antepassados, mesmo crianças, compreendiam melhor os mistérios da fé. A inteligência, sem vícios como o orgulho, pode ser canal da graça. A fé exige o tributo da razão: Fides quaerens intellectum.
A chamada “inteligência artificial” é exemplo da ilusão tecnocrática moderna. Não há inteligência real, apenas algoritmos programados por homens que querem ocupar o lugar de Deus. Essa ilusão é sustentada por uma civilização de vendedores, não de sábios. O racionalismo moderno é irmão gêmeo do sentimentalismo: todo racionalista é também um sentimentalista. Isso é patente nas cartas de Karl Rahner à sua amante, que revelam o vazio afetivo e doutrinal da teologia moderna.
Nos tempos áureos da escolástica, as disputas teológicas eram entre gigantes, como São Tomás e Duns Scotus. Em matérias pontuais, Tomás foi superado por outros — e com humildade, cedia à verdade. Scotus, por exemplo, foi mais longe que Tomás no dogma da Imaculada Conceição. Quando a maçonaria proclamou o senhorio de Lúcifer nas ruas de Roma, Pio IX proclamou solenemente o dogma em 1854, apoiando-se no tratado de Scotus (cf. Gn 3,15; Lc 1,28).
A Paixão de Cristo tem seu auge na dor que resgata a dignidade ultrajada do Pai. O centro da Paixão é a justiça devida ao Pai eterno (cf. Is 53,10-11). Cristo veio expiar nossos pecados, oferecer uma satisfação com valor infinito. A expiação é o eixo do mistério da Paixão: expiatio e propitiatio (cf. Hb 9,12-14; 1Jo 2,2). Sem isso, tudo vira sentimentalismo protestante, “rock de adoração” e experiências catárticas que anulam a razão.
Na Tradição, não falamos de “pecadinhos”. Todo pecado ofende infinitamente a Deus por causa da dignidade de quem é ofendido (cf. Sl 50,6). O pecado mortal é a forma mais perversa de idolatria. Falta-nos horror ao pecado porque não compreendemos sua substância. Se compreendêssemos, morreríamos de horror.
Em oposição ao sentimentalismo dos cultos modernos, a Missa de sempre é racional, teológica e contemplativa. São Tomás estudava diante do Santíssimo Sacramento, no silêncio, escrevendo com precisão doutrinal. Não há substituto para a adoração em espírito e em verdade (cf. Jo 4,23-24).
Outro eixo do mistério da Paixão é a obediência. A palavra “obediência” deriva de obedire, que significa ouvir. A verdadeira adoração é feita em espírito e em verdade, por meio da obediência aos mandamentos de Deus (cf. Jo 14,21; Rm 5,19). O desobediente não é adorador, é charlatão.
Mas não confundamos: imperfeições são diferentes de vícios. Os santos tinham imperfeições, mas os vícios foram eliminados na via purgativa. Coloquemos lado a lado Santa Escolástica, Santa Catarina de Sena, Santa Teresa do Menino Jesus, São Bento, Santo Afonso e São Pio X. Todos santos de primeira grandeza, mas com naturezas distintas. Barros distintos, plasmados pela graça.
Obediência e expiação são as estrelas que iluminam a Paixão do Senhor. Sem compreender essas realidades, não se entende a entrega do Filho. A entrega é racional, é espiritual, é sacrifício de justiça, não apenas de amor emocional. A alma fiel curva-se à autoridade da Igreja e, quando a razão já não compreende, a vontade se submete e adora (cf. Hb 10,7).
Portanto, preparemo-nos para o retiro do sábado, onde refletiremos, à luz de Dom Columba Marmion, sobre os efeitos espirituais da Paixão. E recordemos sempre: amarás o Senhor teu Deus com toda tua inteligência, com todo teu coração (cf. Mc 12,30). Quando a inteligência falha por limites próprios — não por preguiça —, a vontade assume e diz:
“Senhor, não entendo, mas me submeto”.
Este é o ato final da fé.
Em Nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Para sempre seja louvado.