A Conversão de Santo Agostinho e o Mistério da Transformação Cristã

A conversão é, para muitos, um milagre instantâneo — como se, num só momento, a pessoa se tornasse totalmente outra, sem resquícios de seu passado ou de suas inclinações anteriores —, uma ruptura brusca com o passado e o nascimento súbito de um “homem novo”.
Essa concepção, porém, ignora as complexidades do espírito humano e a dinâmica da graça que, embora eficaz, respeita a natureza e o tempo. O que se entende por “milagre instantâneo” precisa ser aprofundado: não se trata de uma mágica que extingue todo o passado, mas do início de uma nova caminhada.
A vida de Santo Agostinho de Hipona fornece um exemplo luminoso e profundamente humano da verdadeira conversão cristã: um processo de reforma interior constante, marcado por quedas, lutas e progressos graduais.
O equívoco das expectativas irrealistas sobre a conversão é frequente entre os que não compreenderam a ação da graça. Supõe-se que o convertido deva, de imediato, abandonar todo vestígio de seu passado, suprimir suas inclinações, paixões e falhas.
Essa visão, porém, não leva em conta que a graça não destrói a natureza, mas a aperfeiçoa. Agostinho, após sua conversão, continuou a ser o mesmo homem em sua essência. De modo semelhante, podemos considerar São Paulo: o perseguidor impetuoso converte-se no apóstolo incansável, mas não perde sua ousadia e veemência.
A graça, portanto, transforma as faculdades humanas sem destruí-las, como quem reorienta um rio para irrigar em vez de devastar. A energia permanece; muda apenas sua direção e finalidade.
“As virtudes são feitas da mesma matéria dos vícios.”
Contudo, nem mesmo um homem convertido e ordenado bispo se vê livre das tentações. Essa persistência das tentações, aliás, não é exclusiva de Agostinho: é uma realidade constante na vida espiritual de todos os santos, que reconhecem em sua caminhada a presença contínua da luta interior.
Nas Confissões, escritas cerca de doze anos após sua conversão, Agostinho reconhece a permanência de certas paixões: a sensualidade, o orgulho, a curiosidade. Ele não se ilude quanto à erradicação de suas inclinações, mas admite que agora essas tendências estão submetidas à luz da graça. A concupiscência da carne, do olhar, do ouvido, a busca por elogios ou a satisfação da curiosidade intelectual continuam a provocá-lo. Ele nota como a libido sentiendi ressurge sob formas aparentemente inocentes: o prazer com os cantos litúrgicos, a contemplação da arte, o gosto pela investigação filosófica.
Essa constatação é preciosa para todos os que buscam a santidade: a luta não cessa, e a tentação pode persistir mesmo após anos de entrega a Deus.
O testemunho de Agostinho revela que a verdadeira santidade não consiste em uma perfeição sem luta, mas na fidelidade perseverante à graça que transforma. O homem novo não aniquila totalmente o homem velho; este é, muitas vezes, domado, redirecionado, iluminado. As três concupiscências fundamentais não são destruídas, mas subjugadas. A memória do pecado não desaparece, mas torna-se fonte de humildade.
Por isso, Agostinho encerra sua confissão com um pedido de perseverança:
“Que Deus, que começou a obra, a leve a termo.”
Na experiência agostiniana, reconhecemos o selo da verdadeira santidade: não se considerar santo. E mais ainda, saber que a luta interior não invalida a graça, mas é precisamente o terreno onde ela mais brilha. A consciência da miséria própria torna-se, nas mãos de Deus, o trono da misericórdia e da verdadeira transformação. Sua vida não é um exemplo de perfeição alcançada, mas de combate constante.
A luz da graça revela a profundidade das trevas interiores, e quanto mais o homem se aproxima de Deus, mais tem consciência de sua miséria. A vida cristã, pois, é uma peregrinação: não uma linha reta rumo à perfeição, mas um caminho de subida, com tropeços, retomadas e esperança.
Agostinho, ao final, clama:
“Manifestamos-te nosso amor, confessando nossas misérias e teus misericordiosos benefícios, a fim de que Tu termines, já que a principiastes, a obra de nossa libertação: a fim de que cessemos de ser infelizes, tornando-nos bem-aventurados em ti”.
Dessa forma, a conversão de Santo Agostinho nos ensina que a verdadeira perfeição é, paradoxalmente, reconhecer-se imperfeito e depender da misericórdia divina em cada passo. Eis aí a beleza da santidade cristã: não a ausência de miséria, mas a aceitação humilde de sua presença.
Bibliografia: Santo Agostinho / Giovanni Papini; Tradução: Godofredo Rangel – 1. ed. – Dois Irmãos, RS: Minha Biblioteca Católica, 2023, pp. 231-5.