“Christus Dominus” e a Destruição do Episcopado Católico

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 25 de março de 2025

Introdução

Em 1965, no encerramento do Concílio Vaticano II, foi promulgado o decreto Christus Dominus, dedicado ao múnus pastoral dos bispos na Igreja. Com sua linguagem pastoral, aparentemente conciliadora e inofensiva, o texto passou a ser referência para a atuação episcopal no mundo moderno.

Contudo, uma análise à luz do Magistério tradicional revela um conjunto de afirmações equívocas, inovações doutrinárias e omissões graves que contribuíram para o esvaziamento da identidade do episcopado católico e o avanço de uma eclesiologia profundamente distorcida.

Este artigo tem por objetivo destacar os principais erros encontrados em Christus Dominus, com base em uma leitura crítica, fundamentada na Tradição da Igreja, na Sagrada Escritura e nas grandes encíclicas do Magistério pré-conciliar. Ao fazê-lo, pretende-se não apenas denunciar o erro, mas reafirmar a doutrina segura, imutável e santificadora da Igreja Católica de sempre.

Análise Doutrinária

Logo no início, Christus Dominus propõe uma visão do colégio episcopal como sujeito de poder supremo, junto ao Papa, sobre toda a Igreja. Tal afirmação fere diretamente o dogma do primado de jurisdição exclusivo do Romano Pontífice, definido solenemente pelo Concílio Vaticano I em Pastor Aeternus.

A confusão se agrava quando se atribui a cada bispo uma suposta responsabilidade por toda a Igreja universal, o que contradiz claramente o ensinamento de Mystici Corporis (Pio XII), segundo o qual somente o Papa possui jurisdição plena e universal.

Outro aspecto preocupante é a promoção do ecumenismo, que não distingue entre a verdadeira caridade e o relativismo doutrinal. O documento menciona favorecê-lo, sem lembrar que, segundo Mortalium Animos (Pio XI), a verdadeira união com os dissidentes só é possível pelo seu à única Igreja de Cristo.

Somando-se a isso, Christus Dominus propõe o “diálogo” como princípio pastoral fundamental, deslocando o centro da missão da Igreja da pregação da verdade e da conversão para uma relação diplomática e horizontal com o mundo. Essa inversão de finalidade já havia sido condenada por São Pio X em Pascendi, onde o “diálogo” é apresentado como instrumento dos modernistas.

Outro grave desvio é a atribuição de força normativa às Conferências Episcopais, cuja colegialidade ofusca a autoridade pessoal dos bispos e cria estruturas paralelas de governo, algo explicitamente condenado por Auctorem Fidei (Pio VI). Soma-se a isso a omissão total de qualquer menção ao dever do bispo de combater heresias e proteger o rebanho da corrupção doutrinária, tarefa claramente expressa por Leão XIII em Satis Cognitum.

O silêncio do decreto sobre o Reinado Social de Cristo é outro indício de uma eclesiologia mundanizada. Não há referência alguma à obrigação dos bispos de proclamar a soberania de Cristo sobre as nações, como magistralmente ensinado por Pio XI em Quas Primas. Em seu lugar, vemos a proposta duma atuação episcopal marcada por colaboração com o poder civil e obediência às leis justas, sem qualquer reafirmação da independência da Igreja nas coisas espirituais, conforme ensinado por Leão XIII em Immortale Dei.

Além disso, Christus Dominus descreve os bispos mais como “servidores” do povo do que como governantes instituídos por Cristo. A autoridade é atenuada, quase oculta, e a função santificadora e magisterial se dilui. Ao mesmo tempo, promove-se uma pastoral fluida e adaptada às “condições locais”, abrindo espaço para pluralismos doutrinários e práticas pastorais contraditórias. Essa descentralização é agravada pela ênfase dada à organização administrativa, comissões e secretariados, reduzindo o bispo a um gerente eclesiástico.

O documento também falha em tratar com clareza a relação entre bispos e religiosos, especialmente no que se refere à jurisdição sobre o apostolado público. Romanos Pontifices (Leão XIII), por outro lado, ensinou que os religiosos que exercem funções apostólicas em uma diocese estão sob autoridade do ordinário local — um princípio que o decreto apenas sugere de forma vaga.

Por fim, observa-se uma linguagem deliberadamente neutra quanto à realidade do combate espiritual. Não há menção ao demônio, ao pecado, à vigilância pastoral ou à necessidade de militância da Igreja, em contraste direto com as exortações apostólicas e com passagens como Ef 6,11:

“Revesti-vos da armadura de Deus…”.

Ainda, a ausência de referências ao caráter sacrifical do sacerdócio episcopal — como definido pelo Concílio de Trento — e à vigilância no uso dos meios de comunicação reflete uma concepção horizontal da missão eclesial, mais voltada ao mundo do que à eternidade.

Como afirmou São Roberto Belarmino, “os verdadeiros reformadores da Igreja foram sempre os santos, nunca os inovadores”. Essa verdade nos recorda que não se reforma a Igreja por meio da adaptação aos modismos culturais ou pelo abandono das estruturas que o próprio Cristo instituiu.

Conclusão

O decreto Christus Dominus, ao invés de reafirmar o papel divinamente instituído dos bispos como mestres, pastores e governantes da Igreja de Cristo, propõe uma imagem nova, ambígua e perigosamente adaptada ao espírito do mundo moderno.

A consequência dessa ruptura é o episcopado enfraquecido, a hierarquia diluída, o silêncio diante do erro e a colaboração com o mundo em detrimento da verdade revelada.

É dever dos católicos conscientes estudar, denunciar e resistir respeitosa e firmemente a tudo o que contraria o depósito da fé. Que o Espírito Santo nos ilumine e que a Santíssima Virgem nos guarde no caminho da fidelidade à Igreja de sempre. Formemos grupos de estudo, promovamos a leitura dos documentos tradicionais e mantenhamos acesa a chama da doutrina imutável que santificou gerações de fiéis.

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