“Orientalium Ecclesiarum” e a Crise na Igreja Oriental

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 20 de março de 2025

Introdução

O decreto Orientalium Ecclesiarum, promulgado em 21 de novembro de 1964 pelo Concílio Vaticano II, trouxe significativas mudanças na relação entre a Igreja Romana e as Igrejas Orientais Católicas. Embora à primeira vista possa parecer um documento que valoriza as tradições orientais dentro da Igreja, sua linguagem ambígua e algumas concessões ecumênicas apresentam sérias contradições com o Magistério tradicional da Igreja.

Neste artigo, analisaremos os principais erros do decreto, contrastando-os com os ensinamentos magisteriais anteriores.

A Diminuição do Primado Papal

O decreto concede maior autonomia aos Patriarcados Orientais, permitindo-lhes governar sem intervenção direta do Papa. Além disso, possibilita a nomeação de bispos sem a aprovação direta de Roma e autoriza a criação de novos Patriarcados sem critérios claros.

Essa abordagem contraria o Concílio Vaticano I, que ensina que a autoridade do Papa é direta, universal e imediata sobre toda a Igreja como, por exemplo, em Pastor Aeternus (1870):

“Se alguém disser que o Pontífice Romano possui apenas o cargo de inspeção ou direção, e não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja, não apenas nas questões de fé e costumes, mas também na disciplina e no governo da Igreja espalhada por todo o mundo; ou que ele possui somente a parte principal, e não toda a plenitude desse poder; ou que esse seu poder não é ordinário e imediato sobre todas e cada uma das igrejas e sobre todos e cada um dos pastores e fiéis: seja anátema.”

A Relativização da Unidade da Igreja e do Dogma Extra Ecclesiam Nulla Salus

O documento define as Igrejas Ortodoxas como “Igrejas particulares”, sem enfatizar sua condição de cismáticas. Além disso, sugere que os Ortodoxos possuem “elementos de santificação”, ignorando a necessidade de submissão ao Papa, e omite qualquer chamado à conversão, substituindo-o por uma abordagem de diálogo e colaboração.

Antes disso, a encíclica Mortalium Animos de Pio XI (1928) ensinou que a unidade só pode ser alcançada mediante a submissão ao Papa. Também, o Decreto para os Jacobitas, do Concílio de Florença (1439), afirmou com clareza:

“Firmemente cremos e simplesmente confessamos que a Igreja Universal não é senão a Igreja Romana, fora da qual não há salvação nem remissão dos pecados.”

O Enfraquecimento da Identidade do Rito Romano

O decreto estabelece uma equiparação entre os ritos, negando a primazia do rito romano como modelo universal. Ele incentiva que ordens religiosas latinas adotem práticas orientais, o que contribui para a diluição da identidade do rito romano. Além disso, permite o uso irrestrito das línguas vernáculas na liturgia oriental, um precedente que abriu caminho para a reforma do Novus Ordo.

Por outro lado, o Concílio de Trento (Sessão XXII, Cân. 9) declarou:

“Se alguém disser que a Missa deve ser celebrada apenas na língua vulgar e que deve ser proibida a língua latina, seja anátema.”

A Permissão da Communicatio in Sacris com Cismáticos

O decreto autoriza que ortodoxos recebam sacramentos de padres católicos sem a exigência de conversão, sendo que, no Concílio de Trento (Sessão VII, Cân. 10), condenou-se expressamente essa prática:

“Se alguém disser que é lícito aos sacerdotes da Igreja ministrar os sacramentos a hereges ou receber deles os sacramentos, seja anátema.”

O Relaxamento das Normas do Matrimônio Misto

A obrigatoriedade da forma canônica do casamento é flexibilizada pelo decreto, permitindo matrimônios mistos sem a necessidade de um padre católico.

No entanto, o Catecismo Maior de São Pio X ensina que a diversidade de culto entre batizados e não batizados constitui um impedimento dirimente para o matrimônio, tornando-o inválido sem dispensa explícita da autoridade eclesiástica.

A Aceitação do Clero Casado

O decreto não reafirma a superioridade do celibato sacerdotal e incentiva a ordenação de padres casados, um afastamento das práticas do Ocidente.

O Concílio de Latrão I (1123) e o Papa Pio XII, na encíclica Sacra Virginitas (1954), reafirmaram que o celibato é a norma universal do sacerdócio. O papa inclusive advertiu que essa tradição deve ser mantida sem concessões, pois é um dos maiores tesouros da Igreja.

A Ambiguidade sobre a Igreja Universal

O decreto sugere que a “Igreja Universal” é distinta da Igreja Católica, preparando o caminho para a doutrina da “subsistência”, que relativiza a unicidade da Igreja fundada por Cristo.

Ao contrário, o Papa Leão XIII, em Satis Cognitum (1896), ensinou:

“A Igreja de Cristo e a Igreja Católica são uma e a mesma; qualquer separação dela é uma separação da única arca da salvação.”

Conclusão

A análise do Orientalium Ecclesiarum mostra que este decreto do Vaticano II representa uma significativa mudança na doutrina e disciplina tradicional da Igreja. Ele enfraquece o primado papal, relativiza a unidade eclesial, permite práticas proibidas anteriormente e flexibiliza normas fundamentais da Tradição. A abordagem modernista e ecumênica desse documento abriu caminho para muitas das confusões doutrinárias e litúrgicas que a Igreja enfrenta hoje.

Portanto, é essencial que os católicos que desejam permanecer fiéis à Tradição compreendam esses erros e defendam a doutrina imutável da Igreja.

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