A Cruz: A Única Carruagem para o Céu

O texto abaixo é uma catequese ministrada pelo Rev. Pe. Wander de Jesus Maia, na Associação Cultural Cor Mariae Dulcissimum, em São Paulo/SP, em 13/03/2025, quinta-feira da I Semana da Quaresma.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Meus filhos, a propósito do autor da Imitação de Cristo, um tratado fulminante e ascético, talvez o seu grande valor esteja na sua simplicidade prática, que desconcerta e vai diretamente aos meandros do combate espiritual, nas coisas de Deus e nas coisas santas, sem dar voltas.
Sendo um sacerdote muito santo, um mestre de almas, teve graças infusas para assim fazer. Num determinado momento, ele nos põe de alerta quanto a algumas tentações que nos cercam, particularmente quando a decisão por ser de Deus e servi-Lo toma uma pujança, uma força distinta em nossa alma, por graça divina. É nessa hora que, por uma mercê, Deus coloca em nossa alma um querencíssimo da via purificativa e começa a nos dar algumas graças para começarmos a aborrecer a carne, o mundo e o demônio.
Dentro dessas graças, surge uma náusea quanto ao pecado venial, ainda incipientemente, de forma muito vulnerável. Mas essas graças não podem ser desperdiçadas. O Evangelho de ontem dizia exatamente isso: uma vez expulso, se o demônio encontrar descuido, se encontrar negligência, está pronto para retornar. E quando ele retorna, não vem como antes, mas com mais força. E fará uma destruição tal que o estado de depravação da alma será ainda pior. Porque o demônio vem para se vingar:
“Ah, quisestes me abandonar? Trocar-me por outro Senhor? Agora que te entregaste a Ele, não deste conta de manter-se fiel, e retornaste a mim? Pois agora te tratarei pior do que um porco, cujas alfarrobas comiam os empregados daquela propriedade onde o filho pródigo havia se refugiado depois de abandonar sua casa.”
Ou seja, aquele filho era tratado com menos zelo e cuidado do que os porcos.
A grande tentação que temos, filhos, ao chegarmos a um determinado momento da via espiritual, é achar, duplamente, ou que já basta onde chegamos, ou que nem sequer começamos. Porque o grau de exigência é tão grande que a saudade dos dias de escravidão nos toma. “Estávamos quietos no Egito, por que fostes nos tirar de lá?” – foi o que Moisés ouviu. “Estávamos acomodados e fomos retirados!”
Moisés, figura dos sacerdotes da Nova e Eterna Aliança, comportou-se como pontífice intercessor, mediador efetivo, e ofereceu-se para que a Aliança fosse consumada. Quando desceu do Sinai e viu a iniquidade do povo, quase desistiu. Mas Deus incendiou sua alma e renovou nele o espírito de intercessão e mediação.
Então, meus filhos, tomemos um trecho de Tomás de Kempis sobre a humilde submissão. As inquietações derivam do orgulho e da vaidade. O orgulhoso é inquieto e se move de maneira perturbada. O humilde está em paz. Porque sabe que nem a morte, nem a vida, nem qualquer enfermidade, calamidade ou potestade podem separá-lo de Deus. O orgulhoso procura a sua vontade, disfarçando-a de vontade de Deus. O humilde, tudo o que quer, é uma fenda na rocha, para se esconder e deixar Deus operar.
Talvez de submissão, não te importes tanto em saber quem está por ti ou contra ti, mas cuida que Deus esteja sempre contigo. Com boa consciência, Deus será teu defensor. A quem Deus ajuda, a malícia dos homens nada pode fazer. Se souberes calar e sofrer, o Senhor virá. Ele sabe o tempo e a maneira de livrar-te. De Deus vem o socorro. Ele livra de toda confusão.
Para conservar a humildade, convém algumas vezes que os outros conheçam nossos defeitos e nos humilhem. Impressiona que, no Antigo Testamento, ainda não houvesse verdadeiramente o derramamento do Espírito Santo. O Espírito Santo foi dado pela primeira vez em Pentecostes. A dívida do pecado não havia sido paga, logo não poderia haver derramamento. O que havia eram graças atuais para atrair o povo eleito, aproximando-o cada vez mais, até a vinda do Messias.
Elias, ao sentir-se fraco, ouviu de Deus: “Levanta-te e come, pois tens um longo caminho pela frente.” Assim também nós devemos avançar, pois Deus não retrocede e nem os Seus. Elias foi tomado ao céu numa carruagem de fogo, uma prefiguração pálida da cruz. Pedro, por sua vez, foi tomado na realidade definitiva: a cruz de Cristo. Nosso Senhor garantiu que ele seria crucificado como Ele. E assim foi.
A cruz é a única carruagem que nos leva ao céu.
Meus filhos, o apego às criaturas bloqueia a obra de Deus em nossas almas. Nosso Senhor disse: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a Mim não é digno de Mim.” Quantos perdem a Deus por não quererem se desapegar de amizades, status ou seguranças humanas! Se Deus nos chama, por que essa maldita mania de olhar para trás?
Nós não conhecemos verdadeiramente os santos. Temos um devoocionismo superficial, mas não os imitamos. Santo Afonso viveu para salvar almas. São José trancou sua carpintaria e seguiu para cumprir o desígnio divino. Mas nós empacamos, pesando o que vamos ou não dar a Deus.
Meus filhos, livrem-se dos afetos desordenados! Não traiam a Deus por um punhado de comodidades. Esta é nossa segunda Quaresma na Tradição para muitos, e a primeira para outros. Não podemos enrolar a Deus. Ele não se deixa enganar. A questão é: nós mudaremos ou não?
As tentações são muitas, e a tendência do coração humano é ceder à vaidade e ao orgulho. Mas, como Nosso Senhor disse à samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus…” Estamos apenas vislumbrando esse dom. Nossa instabilidade prova que ainda não o conhecemos plenamente. Conhecer a Deus não é apenas ter informação, mas se entregar a Ele.
A Quaresma está aí, e a Igreja nos alerta: apertem o passo! Com essa moleza, esse corpo mole, não chegaremos ao céu. O tempo do mundo moderno se esgotou, como Israel no Antigo Testamento. Agora, Deus chamará outros para tomar o lugar dos que O rejeitaram.
Meus filhos, reconheçamos os imensos benefícios de Deus e tomemos a decisão de fazer as coisas certas. Sem procrastinar, sem adiar a conversão. O tempo é agora. O Reino de Deus não admite os mornos.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.