O Tempo da Septuagésima: Preparação Penitencial para a Quaresma

A Igreja Católica, em sua sabedoria milenar, organiza o ano litúrgico de maneira que os fiéis possam, em cada tempo, aprofundar-se no mistério da Redenção. Um desses períodos, esquecido por muitos, mas de grande riqueza espiritual, é o Tempo da Septuagésima.

Este artigo busca explicar seu significado, sua importância e como podemos vivê-lo em nossa vida espiritual.

O que é a Septuagésima?

A Septuagésima inicia um tempo de transição dentro do ciclo litúrgico, preparando os fiéis para a Quaresma. O nome vem do latim Septuagesima, que significa “setenta”, e marca aproximadamente setenta dias antes da Páscoa. Este período, que inclui também os domingos da Sexagésima e Quinquagésima, antecede a Quarta-feira de Cinzas e convida à penitência e à conversão.

Sua origem remonta às práticas litúrgicas da Igreja primitiva, que, reconhecendo a necessidade de uma preparação gradual para a Páscoa, instituiu esse tempo como um convite à reflexão e ao desapego das distrações do mundo.

A Septuagésima, portanto, é um chamado ao recolhimento e à mortificação voluntária.

A Septuagésima no Ciclo Pascal

O tempo da Septuagésima faz parte de um ciclo maior que culmina na Páscoa. Esse ciclo é composto pelo período da Septuagésima, que vai até a Quarta-feira de Cinzas, seguido pelo Tempo da Quaresma, que se estende até o Domingo da Paixão. Após esse período, tem início o Tempo da Paixão, que vai do Domingo da Paixão até o Sábado Santo, momento crucial que antecede a grande celebração da Ressurreição. O ciclo continua com o Tempo Pascal, que se inicia na Páscoa e se estende até o sábado seguinte a Pentecostes, e se conclui com o Tempo depois de Pentecostes, que vai da festa da Santíssima Trindade até o Advento.

Durante esse período, a Igreja suprime o Glória e o Aleluia da liturgia, adota os paramentos roxos e conduz os fiéis por leituras penitenciais que enfatizam a necessidade da Redenção, desde a queda de Adão até a Paixão de Cristo.

Figuras bíblicas na Septuagésima

O Antigo Testamento prefigura Cristo e sua missão redentora. A Igreja apresenta durante este tempo figuras que simbolizam a trajetória da humanidade rumo à salvação, como Adão, cuja queda trouxe o pecado original; Noé, que prefigura o novo começo em Cristo; Abraão, o homem da fé, símbolo da aliança divina; e Moisés, que libertou Israel da escravidão, assim como Cristo nos liberta do pecado.

A liturgia desses domingos recorda a necessidade de um coração contrito e penitente, levando-nos à meditação sobre nossa própria conversão.

A necessidade da penitência

A Igreja nos ensina que a penitência é essencial para a vida espiritual. O livro do Gênesis nos lembra:

“Comerás o pão com o suor do teu rosto até voltares ao solo de onde foste tirado” (Gn 3, 19).

Também, o profeta Joel exorta:

“Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, com jejuns, com lágrimas e com gemidos” (Jl 2, 12-13).

Ainda, São Paulo reforça a disciplina espiritual ao afirmar:

“Mas esmurro o meu corpo e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado” (1 Cor 9, 27).

O jejum, a esmola e a oração são meios fundamentais para o crescimento espiritual e a preparação para os mistérios pascais.

Ensinamentos do magistério tradicional

O Magistério tradicional sempre enfatizou a importância desse tempo. O Catecismo Romano do Concílio de Trento ensina que a penitência é um segundo batismo, que nos lava dos pecados cometidos após a regeneração. São Pio X, em seu Catecismo Maior, afirma que o jejum e a penitência são os meios que a Igreja sempre usou para preparar os fiéis para a celebração dos mistérios pascais.

O Papa Pio XII, na encíclica Mediator Dei, reforça que a liturgia não é um elemento acidental da vida cristã, mas seu centro, regulando nossa caminhada espiritual.

Como viver a Septuagésima?

Para viver plenamente esse tempo litúrgico, os fiéis são chamados a intensificar a oração, incluindo a meditação da Paixão e a recitação diária do Terço, conforme São Paulo exorta, “Orai sem cessar” (1Ts 5, 17), reforçando o santo costume do salmista:

“De tarde, de manhã e ao meio-dia, lamentarei e gemerei, e Ele ouvirá a minha voz” (Sl 55, 17).

Além disso, a penitência deve ser praticada com seriedade, reduzindo as distrações mundanas e oferecendo sacrifícios diários. Realizar obras de caridade, como ajudar os necessitados e rezar pelas almas do purgatório, é uma maneira concreta de viver esse tempo, como nos ensina o livro dos Macabeus:

“É, portanto, um santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados” (2 Mac 12, 46).

O estudo da fé deve ser aprofundado, pois, como adverte o profeta Oséias:

“Meu povo perece por falta de conhecimento” (Os 4, 6).

Por fim, São Paulo também reforça essa necessidade ao dizer:

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” (2Tm 3, 16-17).

Conclusão

O Tempo da Septuagésima é um presente da Igreja para nossa preparação espiritual. Ao longo da história, os santos sempre valorizaram a penitência e a vigilância para melhor se unirem a Deus. Neste período, somos chamados a intensificar nossa oração, prática penitencial e caridade, preparando nossas almas para a Quaresma e, por fim, para a grande celebração da Ressurreição de Cristo.

Que possamos viver bem este tempo de graça e conversão, renovando nosso compromisso com Deus e com nossa salvação eterna. Sursum corda!

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