Sedevacantismo: Entendendo o Debate e Seus Fundamentos

Juliano de Henrique Mello By Juliano de Henrique Mello 25 de outubro de 2024

1. Introdução

O Sedevacantismo é uma posição teológica que defende que a Sé de Pedro, o papado, está atualmente vacante. Para eles, não se trata de uma opinião, mas da simples constatação de um fato.

Esse movimento, que ganhou força no século XX, surgiu duma série de críticas e questionamentos sobre a legitimidade dos papas eleitos após a morte de Pio XII, em 1958. Para os sedevacantistas, a Igreja Católica está sem um verdadeiro papa desde então. 

Neste artigo, exploraremos os principais fundamentos teológicos dessa posição, suas implicações e as respostas críticas mais comuns a essa visão.

2. A Origem e a definição do Sedevacantismo

O termo Sedevacantismo deriva do latim sede vacante, que significa “sé vacante” ou “trono vazio”. Os sedevacantistas acreditam que a eleição de João XXIII foi inválida e que, por conseguinte, todos os papas subsequentes (Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco) também não são legítimos ocupantes do trono de Pedro. 

Essa visão é sustentada principalmente pela alegação de que esses papas teriam ensinado heresias, escolhido cardeais invalidamente e alterado aspectos essenciais da doutrina e dos ritos da Igreja.

3. Fundamentos teológicos do Sedevacantismo

Os sedevacantistas apresentam dois argumentos principais para sustentar sua posição, a saber, a Questão da Infalibilidade Papal e a questão da Validade das Ordenações Sacerdotais.

A posição sedevacantista baseia-se em informações, em grande parte, verdadeiras. Porém, a interpretação dessas mesmas informações, bem como a conclusão a que se chega, não é correta. 

Analisemos cada um dos dois fundamentos à luz da teologia tradicional.

3.1. A Questão da Infalibilidade Papal:

O argumento sedevacantista baseia-se na ideia de que um papa não pode ser herege, pelo que São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja, teólogo e cardeal do século XVI, é frequentemente citado. Ele afirmava que um herege não poderia se tornar papa, e se um papa caísse em heresia, perderia automaticamente seu ofício (ipso facto).

Essa linha de pensamento leva à conclusão de que os papas pós-Pio XII, ao ensinarem heresias ou permitirem alterações na doutrina, teriam perdido seu cargo ou, ainda, talvez nunca o teriam legitimamente ocupado.

Por sua vez, o dogma da Infalibilidade Papal, definido no Concílio Vaticano I (1870) na Constituição Dogmática Pastor Aeternus, afirma que o papa não pode errar quando ensina, ex cathedra, sobre fé e moral. Os sedevacantistas adotam uma interpretação mais abrangente deste dogma, argumentando que o “ex cathedra” se dá sempre que o papa ensina sobre fé e moral, mesmo que não solenemente. 

Portanto, se este ensina algo contrário à fé ou à moral, seja qual for a circunstância, isso seria uma prova de que ele não é o papa legítimo.

3.1.1. A refutação

A Igreja nunca definiu dogmaticamente se um papa pode ou não cair em heresia. Portanto, as posições teológicas de São Roberto Belarmino, embora respeitabilíssimas, são opiniões, e não doutrina definitiva. 

A melhor doutrina ensina que um papa pode cometer erros pessoais ou mesmo teológicos (mesmo heresias), sem perder automaticamente seu ofício, sua jurisdição, pelo bem da continuidade institucional e hierárquica da Igreja, que teria a capacidade, mediante os sucessores do herege, de sanar os danos por ele causados.

A interpretação sedevacantista da infalibilidade papal vai além do que a Igreja ensina, a saber, que a infalibilidade do papa se aplica apenas em circunstâncias muito específicas (interpretação mais restritiva), isto é, quando ele define de forma solene uma doutrina sobre fé e moral. O magistério ordinário do papa, que inclui homilias, discursos e outros ensinamentos, não necessariamente goza de infalibilidade – a menos que se remeta explicitamente aos dogmas já proclamados – e, desse modo, pode conter erros, os quais, por sua vez, não significam a ilegitimidade do pontificado.

3.2. Da Suposta Invalidade das Ordenações Sacerdotais

Outro argumento central dos sedevacantistas é que a reforma do rito de ordenação sacerdotal, promulgada pelo Papa Paulo VI em 1968, teria tornado inválidas todas as ordenações feitas após essa mudança. 

Os sedevacantistas comparam o novo rito ao rito anglicano, que a Igreja Católica sempre declarou inválido, devido a alterações substanciais no rito sacramental. 

Além disso, Pio XII, em Sacramentum Ordinis, vinculou à validade do sacramento o emprego da expressão “ut” na fórmula, a qual fora suprimida por Paulo VI no novo rito.

Para os sedevacantistas, essas mesmas mudanças no rito católico teriam invalidado as ordenações episcopais e presbiterais, implicando que muitos bispos e sacerdotes atuais, incluindo os papas pós-conciliares, não seriam validamente ordenados.

3.2.1. A refutação

Embora a reforma do rito de ordenação tenha trazido mudanças significativas, não é verdade que se tenha identificado ao rito anglicano. Há paralelos, mas não verdadeira identidade.

Além disso, ainda que houvesse, a comparação não se sustentaria por si só, pois, no caso anglicano, a invalidação se deu, em grande parte, à perda da compreensão católica do sacerdócio, e não necessariamente à mudança do rito, cf. Leão XIII em Apostolica Curae. Mesmo que os anglicanos tivessem mantido o rito católico de ordenação, a perda da fé no verdadeiro sacerdócio continuaria fadando as ordenações à invalidade.

Ainda, no caso da reforma de Paulo VI, a essência sacramental do rito (a fórmula) foi preservada, a saber, “a imposição de mãos e as palavras que a determinam” (Pio XII, Sacramentum Ordinis, 3). É verdade que expressão latina “ut” foi suprimida por Paulo VI no novo rito, mas é preciso lembrar que a fórmula sacramental da ordenação não foi divinamente revelada (como a do Batismo e da Eucaristia, por exemplo). Trata-se de matéria definida disciplinar e, portanto, falivelmente, pela Igreja, podendo ser mudada pela autoridade pontifícia, como aconteceu, sem que disso decorra necessariamente a invalidade.

A mudança paulina, ainda que tenha enfraquecido e piorado o rito, por si mesma não foi o suficiente para invalidá-lo.

4. Respostas às objeções comuns ao Sedevacantismo

4.1. O Sedevacantismo é Cisma?

Em que pese a inconveniência da posição e da militância sedevacantista, não é correto considerá-los como necessariamente cismáticos. Para tanto, seria necessária uma rebelião deliberada contra a autoridade do papa, sendo que, os sedevacantistas, em geral, agem em retidão de consciência, acreditando sinceramente que estão defendendo a verdade da fé. Quando se conversa com eles, claramente se vê que, na maioria esmagadora dos casos, as dúvidas e questionamentos que apontam não lhes foram, ainda, suficientemente respondidos.

Destarte, à luz de teólogos respeitadíssimos da história da Igreja, como o Cardeal Caetano, aqueles que assumem posicionamento sedevacantista em boa-fé não podem ser acusados de cisma.

4.2. Sem Papa, não há Igreja?

É comum a Igreja passar por períodos de vacância da sé apostólica, como acontece sempre que um papa morre. A duração da vacância, seja de dias, seja de anos, é fator acidental que não muda a essência do fato. Portanto, não basta para comprometer a existência da Igreja Católica. 

Inclusive, na história, houve vacâncias longas, e a Igreja continuou existindo. 

Portanto, a vacância da sede apostólica por um por um período prolongado não é uma impossibilidade.

4.3. Como Eleger um Novo Papa?

Os discordantes sustentam que a tese sedevacantista é impossível, porquanto seria impossível entronizar um novo papa “legítimo”, uma vez que não sobraram cardeais pré-João XXIII para elegê-lo.

Entretanto, é preciso reconhecer que a eleição do papa pelos cardeais não é uma prática divinamente revelada. Primitivamente, os pontífices eram entronizados por outros meios, sem a necessidade de um colégio de cardeais. 

Logo, sendo o cardinalato um elemento acidental, e não essencial, da eleição papal, a falta de cardeais nomeados por papas legítimos não necessariamente impediria que um novo papa fosse eleito.

5. Defender a posição tradicionalista, mediante diálogo aberto e respeitoso

Dada a complexidade das questões envolvidas, a posição mais prudente é tratar o Sedevacantismo como posição a ser respondida, esclarecida, e não necessariamente demonizada. Muitas informações que embasam essa posição são verdadeiras, sendo que sua interpretação é que é errada, e isso pode ser corrigido com a devida apologética. 

Não se deve presumir a má-fé dos sedevacantistas, mas que buscam sinceramente a verdade, movidos por um profundo desejo de preservar a pureza doutrinária, de modo que não devem ser automaticamente considerados excluídos da Comunhão dos Santos.

Enquanto isso, a validade (não a licitude) dos sacramentos administrados por sacerdotes sedevacantistas não pode ser questionada, pois os mesmos foram validamente ordenados no rito pré-reforma.

6. Conclusão

O Sedevacantismo levanta questões teológicas profundas, pelo que a prudência aconselha a não julgar precipitadamente, bem como manter o diálogo aberto. Até que a Igreja ofereça uma resposta definitiva sobre essas questões, inclusive no campo disciplinar, é essencial tratar esses irmãos com caridade, respeitando suas preocupações, sem rotulá-los, precipitada e ofensivamente, como cismáticos ou hereges. 

A busca pela verdade, ainda que no erro do Sedevacantismo, deve ser compreendida com humildade e respeito mútuo dignos da comunhão eclesial.

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